Por Alexandre Schwartsman1
Carta Mensal Fevereiro 2024
“Não há nada permanente, exceto a mudança”
Heraclitus
Ao final do ano passado e começo deste ano o mercado de renda fixa norte-americano apostava fortemente no início do ciclo de afrouxamento monetário ainda no primeiro trimestre, mais notadamente em março. Segundo o Federal Reserve Bank of Atlanta, as chances implícitas de um corte de juros naquele mês se encontravam entre 75-90% na maior parte do mês de janeiro, alimentadas em parte pelo discurso otimista de Jay Powell, presidente do Federal Reserve, em dezembro.
Muito embora o comitê de política monetária (FOMC) tivesse acenado com 3 reduções de juros ao longo de 2024, totalizando 0,75 ponto percentual, mercados chegaram a “botar no preço” cinco ou seis cortes, atribuindo quase 40% de chance de a taxa de juros ao final do ano ter caído para o intervalo de 3,75-4,00% e 30% de chance de uma redução um pouco menor, para 4,00-4,25% (versus o patamar atual, 5,25-5,50%).
De lá para cá, todavia, muito mudou. As chances de ciclo de afrouxamento monetário se iniciar em março colapsaram para perto de zero (meros 3% enquanto escrevo este relatório). Já para 2024, o mercado atribui cerca de 34% de chance para quatro cortes de juros e 28% para três, mais em linha com a sinalização do banco central norte-americano.
Foram dois os fatores que levaram a esta mudança no que diz respeito ao “timing” da política monetária dos EUA. Parte da história está ligada ao vigor da economia americana. Embora ainda não tenhamos os dados do primeiro trimestre do ano, o fechamento de 2023 veio forte, sugerindo expansão do PIB superior a 3% ao ano, enquanto nosso conhecido Federal Reserve Bank of Atlanta sugere crescimento na casa de 2,5% ao ano no começo de 2024.
Em linha com isto a economia tem gerado empregos com vontade, mais de 300 mil por mês em dezembro e janeiro, mantendo a taxa de desemprego perto das mínimas históricas, enquanto o saldo de vagas não preenchidas parece ter se estabilizado em patamar próximo a 1,4 vezes o total de desempregados, sinal de mercado de trabalho ainda aquecido.
Dito de outra forma, pelo lado da atividade econômica, ainda pujante, não parece haver necessidade de qualquer estímulo adicional, talvez o contrário.
No que diz respeito à inflação, apesar do visível recuo observado a partir do último trimestre de 2022, o progresso parece ter cessado ao final de 2023 e início de 2024. As diferentes medidas do chamado “núcleo” de inflação (medidas menos sujeitas a fenômenos transitórios e/ou acidentais) aparentam ter se estabilizado ao redor de 4% ao ano, metade do pico registrado ao final de 2022, mas ainda distante do objetivo de 2% ao ano.
De maneira similar, a inflação de serviços – mais sensível ao ciclo econômico pela ausência de concorrência dos importados – não apenas parou de cair, como se acelerou de volta a 6% ao ano, talvez refletindo a evolução similar dos salários, estimulados pelo mercado de trabalho mais apertado.
Ambos os desenvolvimentos devem influenciar a política monetária. Por um lado, há sinais de uma convergência mais demorada da inflação para a meta; por outro, nenhuma urgência para fazer a economia crescer mais rápido. Assim, o mercado hoje apreça o início do ciclo para meados de 2024.
Fevereiro 2024 |
Há, é bom que se diga, impactos sobre o comportamento da política monetária doméstica.
Deve ficar claro, contudo, que não há uma relação tão direta quanto às vezes se imagina. O principal canal de transmissão se dá pelo comportamento do dólar no Brasil, que tem flutuado nos últimos meses muito em linha com as variações do dólar frente a outras moedas de países desenvolvidos, notadamente o euro.
Indicações de juro mais alto do que o originalmente esperado nos EUA levam ao fortalecimento da moeda norte-americana face às demais, inclusive o Real, e vice-versa.
Como um dólar mais caro aqui tem certo efeito no sentido de elevar a inflação, acaba de alguma forma tendo impactos sobre a trajetória da taxa de juros doméstica, muito embora não seja sequer próximo a 1:1, isto é, movimentos similares do juro doméstico.
Isto dito, enquanto havia apostas quanto à possiblidade de o BC acelerar o ritmo de corte de juros para 0,75 ponto percentual por reunião ao final do ano passado e início deste ano, tal possibilidade parece afastada no atual momento.
Discute-se, a bem da verdade, quando o BC irá (ou deveria) parar de anunciar que seguirá reduzindo a taxa de juros ao toque de 0,50 ponto percentual por reunião (provavelmente em maio, no mais tardar junho).
Por óbvio, isto não significa que o BC deixará de reduzir a taxa Selic, mas apenas que tal processo deverá ser ainda mais cauteloso à medida que o BC “tateia” para saber qual deverá ser a taxa ao final do processo.
Neste sentido, condições que permitam a redução tempestiva da taxa de juros americana – e, portanto, algum enfraquecimento do dólar lá e cá – ajudariam o BC a levar o afrouxamento monetário mais longe. Com o sinal trocado, o adiamento do início do ciclo nos EUA acaba limitando em certa medida o espaço para a redução da Selic por aqui.
Ainda trabalho com a queda da taxa Selic para 9% ao ano, mas me parece que os riscos não são simétricos neste caso, quer dizer, a chance de a taxa ficar algo acima de 9% ao ano aparentar ser maior do que chegar a níveis inferiores a este patamar.
Isto, acrescento, não precisaria estar gravado em pedra com letras de fogo. Uma política de real controle do gasto público certamente atuaria neste sentido. No entanto, enquanto a imprensa segue dando atenção ao aumento das receitas de impostos, as despesas do governo federal neste início de ano cresceram nada menos do que R$ 10 bilhões na comparação com janeiro do ano passado, concentradas nos itens obrigatórios (previdência, programas sociais etc.), ou seja, gastos que não podem ser revertidos rapidamente.
Aliás, apesar do aumento de receitas, o déficit do governo federal (devidamente corrigido pela inflação do período) cresceu relativamente ao observado no ano passado, sublinhando o problema que temos apontado neste espaço.
Ao final das contas, o cenário, embora ainda permita um juro menor do que o de hoje, ainda mantém baixa a chance de cortes mais vigorosos à frente.
[1]Graduado em Administração pela FGV-SP e em Economia pela USP, mestre em Economia pela USP, doutor em Economia pela Universidade da Califórnia em Berkeley. Em 2003 Schwartsman sucedeu a Beny Parnes na Diretoria de Assuntos Internacionais do Banco Central do Brasil, onde permaneceu até 2006. Entre 2006 e 2008, foi economista-chefe para a América Latina do ABN Amro, e de 2008 a 2011 ocupou o mesmo cargo no Grupo Santander Brasil. Atualmente, além de ser sócio-diretor da Schwartsman & Associados Consultoria Econômica, escreve uma coluna semanal para o InfoMoney, além de uma participação semanal na rádio CBN.