Por Alexandre Schwartsman [1]

Carta Mensal – Outubro / 2023

“You used to ride on the chrome horse with your diplomat Who carried on his shoulder a Siamese cat
Ain’t it hard when you discover that?
He really wasn’t where it’s at

After he took from you everything he could steal?” (Like a Rolling Stone)

As últimas semanas testemunharam (mais uma) reviravolta nos mercados financeiros globais. O alerta do banco central norte-americano (o Federal Reserve, Fed) acerca da necessidade de manter os juros mais altos por mais tempo parece ter finalmente sido compreendido. Muito embora o Fed já tivesse feito sinalizações neste sentido há algum tempo, a divulgação no mês passado das projeções dos membros do Comitê Federal de Mercado Aberto (FOMC) balançaram os consensos até então existentes.

Como se sabe, a cada três meses os membros do FOMC divulgam suas projeções (individuais, mas não identificadas) sobre o comportamento esperado da economia: produto, desemprego, inflação e taxa de juros. A bem da verdade. as projeções do FOMC sobre inflação, desemprego, ou atividade são tão boas (ou tão ruins) quanto a de qualquer economista razoavelmente bem formado.

Não é mesmo caso, porém, para as taxas de juros, por uma singela razão: esta última variável é decidida pelas mesmas pessoas que fazem parte do comitê (incluindo, digo com certo orgulho, duas ex-colegas minhas de doutorado na Universidade da Califórnia), constatação que dá peso muito maior a tais previsões. No caso, ao contrário do que se esperava, a maioria dos membros do FOMC sinalizou não apenas um novo (e final) aumento de 0,25 ponto percentual na taxa básica de juros, para o intervalo 5,50-5,75% ao ano, mas também apenas dois cortes modestos no ano que vem, de 0,25 ponto percentual cada um.

Isto deveria levar, como levou, a um ajuste dos juros mais curtos. Os juros dos títulos de 3 anos vieram assim de 4,70% ao ano para um patamar superior a 4,90% ao ano, enquanto a taxa de juros para um ano pouco se alterou. A mensagem é clara: o mercado “botou no preço” a ideia de que os juros para períodos além de 1 ano deverão ser mais elevados do que se imaginava anteriormente.

O curioso é que este fenômeno se repetiu para horizontes mais longos: o juro implicado para o horizonte de 5 a 10 anos saltou dos arredores de 4,2% para 4,6%, enquanto a taxa de juros de 10 anos subiu cerca de meio ponto percentual (de 4,3% para 4,8% ao ano) nas últimas duas semanas.

A taxa de 10 anos é um balizador importante (possivelmente o mais importante) dos mercados financeiros globais. Influencia, entre outras coisas, o custo de capital das empresas, e, portanto, o valor das ações, já que este preço deveria, a princípio, refletir fluxo de lucros devidamente descontado. Não por outro motivo, as bolsas americanas caíram fortemente no período, afetando negativamente os demais mercados acionários, inclusive o nacional.

Seus efeitos, contudo, não param por aí. Ao longo deste intervalo observamos também um fortalecimento global do dólar face às demais moedas: ao final de agosto era necessário 1,09 dólar americano para adquirir um euro; no começo de outubro, enquanto escrevo esta Carta, um euro poderia ser comprado por menos de 1,05 dólar.

A perspectiva de maiores retornos em dólares atua como um magneto para os capitais globais, atraindo-os para os EUA e fortalecendo sua moeda.

Aqui não escapamos deste fenômeno, embora a magnitude do efeito tenha sido maior do que no caso do euro, por exemplo.

A verdade é que, como temos aletrado, as vulnerabilidades locais são evidentes. Em tempos de bonança, investidores, em particular os estrangeiros, tendem a ignorá-las, como regra partindo do pressuposto que os bons tempos seguirão indefinidamente (ou, de modo mais cínico, enquanto a música seguir tocando).

Quando o vento muda, todavia, a atenção às vulnerabilidades também se altera.

No caso do Brasil, a principal delas é – e continuará sendo – o comportamento das contas públicas. Embora vários, eu inclusive, tenham avisado sobre as inconsistências do “novo arcabouço fiscal”, a verdade é que o tema ficou varrido para baixo do tapete até o final de agosto.

Coincidindo com a piora dos mercados externos, a divulgação da proposta orçamentária para 2024 chamou a atenção para as dificuldades de atingimento da meta de déficit primário (isto é, deduzido o pagamento de juros) zero proposto pelo orçamento.

Estima-se que o crescimento das receitas teria que superar em cerca de R$ 170 bilhões o aumento “natural” por força do crescimento da economia (de resto provavelmente superestimado). As medidas anunciadas para a obtenção desta arrecadação original, contudo, são duvidosas.

A percepção das nossas fragilidades também teve impacto nas taxas de juros mais longas, com o juro de 10 anos ultrapassando 12% ao ano pela primeira vez desde maio.

Temos, ao final das contas, uma situação em que a conjuntura externa mais adversa torna mais aparentes nossas dificuldades. Não me parece que conseguiremos resolvê-las por conta própria.

A esperança, portanto, reside principalmente numa melhora do cenário externo, em particular sinais de convergência mais rápida da inflação americana ao seu objetivo de longo prazo (2% ao ano).

É bom que se diga que os últimos números de inflação, embora ainda distantes da meta, parecem indicar algum progresso. Novos sinais positivos nesta frente podem indicar o momento de voltar a tomar mais risco. É aqui que nosso monitoramento tem que ser mais detalhado nestas próximas semanas e meses.

Nós, aqui na Portogallo Family Office, continuamos conservadores investidos em juros de curto prazo no exterior e ainda fortemente alocados em CDI aqui no Brasil.

[1] Graduado em Administração pela FGV-SP e em Economia pela USP, mestre em Economia pela USP, doutor em Economia pela Universidade da Califórnia em Berkeley. Em 2003 Schwartsman sucedeu a Beny Parnes na Diretoria de Assuntos Internacionais do Banco Central do Brasil, onde permaneceu até 2006. Entre 2006 e 2008, foi economista-chefe para a América Latina do ABN Amro, e de 2008 a 2011 ocupou o mesmo cargo no Grupo Santander Brasil. Atualmente, além de ser sócio-diretor da Schwartsman & Associados Consultoria Econômica, escreve uma coluna semanal para o InfoMoney, além de uma participação semanal na rádio CBN.

A Portogallo Family Office, uma gestora de recursos independente idealizada pelos principais sócios da MP Advisors, devidamente credenciada pela CVM a exercer as suas funções e aderente aos códigos aplicáveis da ANBIMA e agora a serviço dos nossos clientes.

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