Por Alexandre Schwartsman1
Round up the actual suspects
“Em que momento o Peru tinha se ‘ferrado’?” é uma das aberturas mais famosas da literatura latino americana, senão mundial, o início do monumental “Conversación en La Catedral”, de Mario Vargas Llosa. A pergunta cabe aqui e há vários candidatos a esta data histórica (meu favorito é o dia do “gasto é vida”, do qual fui testemunha ocular), mas, talvez mais importante do que sabê-lo, é entender as causas da piora considerável do cenário econômico em apenas um mês.
A face mais visível é o novo salto do dólar, mas está longe de ser a única. Na segunda
metade de julho as taxas reais de juros subiram, assim como a expectativa de inflação
“embutida” nos papéis do Tesouro.
Parte da deterioração, em particular no que diz respeito ao dólar, pode ainda ser atribuída
a eventos externos, ainda mais depois da piora recente de mercado.
Operadores do mercado de câmbio notam que a valorização recente do iene teve repercussão negativa sobre moedas como o real e o peso mexicano, porque fundos multimercados lá fora tipicamente se endividaram na moeda japonesa (de juros baixos) para aplicar nas moedas de países emergentes (de juro mais alto). Assim, quando o iene ganhou força, muitos tiveram que desfazer suas posições, vendendo as moedas emergentes, como o real, e derrubando seu valor.
Isto, todavia, não explica todo o desempenho ruim do Brasil nos últimos meses. Pelo contrário, comparado ao conjunto das moedas emergentes, o real sofreu bem mais, levantando a suspeita que a maior parte do movimento possa ter origem doméstica.
Há ao menos dois fortes candidatos a este papel.
Na segunda metade do mês o governo divulgou mais uma avaliação bimestral acerca do
comportamento das contas públicas, apontando para déficit bem maior em 2024 do que
havia projetado apenas dois meses antes: R$ 62 bilhões (0,5% do PIB) contra R$ 28 bilhões
(0,2% do PIB) em maio.
Apesar do anúncio de corte de despesas estas foram revistas para cima. Além disto, e talvez mais importante, houve o anúncio que o Tesouro buscaria este ano atingir um déficit primário no limite mínimo permitido pela Lei de Diretrizes Orçamentárias, ao invés de manter o foco na meta fiscal propriamente dita (déficit primário zero). Não é difícil entender o motivo: buscar a meta para 2024 implicaria em contingenciamento de gastos muito maior do que o anunciado agora, algo como R$ 30 bilhões contra menos de R$ 4 bilhões apregoados.
Fica claro que não há disposição do governo para lidar com o problema do gasto,
frequentemente rebatizado pelo presidente como “investimento”, apesar das juras em
contrário do ministro da Fazenda.
À luz disto, as expectativas são que a dívida pública cresça a velocidades ainda maiores do
que as anteriormente imaginadas, levando ao aumento dos prêmios de risco, tanto na
moeda como nas taxas de juros. Já o outro candidato é a política monetária.
Não, é bom dizer, a política atual, que – pequenas desavenças à parte – segue em linha
com os regimes de metas para a inflação, mas sim a política esperada quando o indicado
pelo presidente da República tome posse (junto com mais dois diretores), a partir da virada
de 2024 para 2025.
Neste momento (que muitos poderão identificar como o momento em que o BC se
“ferrou”), a atual maioria no Comitê de Política Monetária (Copom) será desfeita e nova
maioria, forjada por Lula, ditará os rumos da taxa de juros no Brasil.
Todavia, os pronunciamentos do presidente sobre o tema deixarão ao novo Copom praticamente sem espaço de manobra. Houve ataques frequentes e ferozes contra o presidente do BC, Roberto Campos Neto, muito embora o BC não tenha sequer cogitado elevar a Selic ao longo dos 19 meses do atual governo. Em particular, o presente acusou Campos Neto de tomar decisões de política monetária de cunho partidário, segundo ele destinadas a reduzir o crescimento econômico e assim as chances de sua própria reeleição.
Neste contexto, como ficaria um presidente do BC indicado por Lula em face de uma
possível necessidade de elevar a Selic para compensar, por exemplo, o repasse do dólar mais caro aos preços dos produtos importados? Uma decisão neste sentido desmoralizaria a “narrativa” presidencial acerca da presumida “sabotagem” de Campos Neto, além de ofender as crenças vigentes nos dirigentes do país sobre a virtude dos juros baixos.
A percepção, portanto, que o BC sofrerá fortes restrições para a utilização de seu principal instrumento de política monetária, senão sendo obrigado a reduzir a Selic mesmo com inflação mais alta, tem levado à piora das expectativas de inflação, não só as apresentadas ao BC por meio de seu boletim Focus, mas também, e de forma muito mais contundente, no mercado de renda fixa.
A combinação de inflação mais alta e juro mais baixos é um conhecido veneno para a taxa de câmbio.
Obviamente, o mercado de câmbio não irá esperar até a posse do novo presidente (e diretores) para se posicionar. Isto ocorre à medida em que a percepção de leniência do BC relativamente à inflação se dissemina entre os operadores. Dito de outra forma, o dólar hoje reage também às expectativas do dólar amanhã (ou daqui a 5 meses!), e, portanto, os receios sobre a condução da política monetária futura também impulsionam o dólar.
Da mesma forma, expectativas de inflação mais alta implicam taxas de juros mais elevadas, em particular nos segmentos mais longos da curva.
A conclusão, assim, é que tanto a política fiscal (que eleva os prêmios de risco) como
a monetária são os mais prováveis culpados pela piora dos preços de mercado
cambial e de renda fixa.
É bem verdade, contudo, que as perspectivas de redução mais acentuada da taxa de juros nos EUA, dados os últimos resultados do mercado de trabalho, aliviem as pressões externas. Ainda assim, nosso entendimento é que o jogo se dá principalmente no território nacional e aqui não há indicação de reversão de curso.
Por isso, aqui na Portogallo Family Office, a recomendação de se manter uma
alocação em USD, longe de risco Brasil, permanece.