Por Alexandre Schwartsman1

“April is the cruelest month”

T.S. Elliot

Não acredito que Elliot estivesse se referindo ao mês passado quando escreveu “The Waste Land”, nem que se possa referir ao mercado financeiro como “terra arrasada” à luz de eventos bem mais graves que tivemos oportunidade de testemunhar nas últimas décadas. No entanto, não resta dúvida que a correção observada em abril foi dolorosa, em praticamente todos os mercados.

Obviamente, com o benefício de poder olhar para trás, tratava-se de correção devida. A meu favor (quando a gente acerta é bom fazer um tanto de autopropaganda), muitos dos alertas que mencionei em edições anteriores desta Carta se materializaram.

A começar a euforia excessiva do final do ano passado e começo deste ano. Havia a crença – diga-se de passagem estimulada pelo próprio presidente do Federal Reserve – quanto à convergência rápida da inflação americana para suas metas, ou melhor, que o comitê de política monetária norte-americano rapidamente obteria a confiança quanto à queda da inflação, a despeito de indicações de uma economia ainda forte e um mercado de trabalho ainda apertado (embora não tanto quanto em momentos anteriores).

Dito de outra forma, criou-se o culto da “desinflação imaculada”, qual seja, que o crescimento dos preços perderia fôlego por si só, sem necessidade de uma desaceleração mais visível da economia.

Em que pese o crescimento mais lento do PIB americano no começo do ano (mas de demanda ainda se expandindo a uma velocidade similar à de trimestres anteriores), não houve alívio comensurável no mercado de trabalho. A taxa de desemprego tem se mostrado estável em patamares baixos, ainda abaixo de 4%, e a relação entre as vagas em aberto e o desemprego tem caído muito lentamente, sugerindo a continuidade das pressões sobre salários e, portanto, preços.

Assim, a leitura dos números de inflação nos últimos meses revela que, no mínimo, ela parou de cair e pode, inclusive, ter se acelerado um tanto (embora haja menos certeza a este respeito).

À luz disso, houve mudança considerável quanto ao timing do início do processo de afrouxamento monetário, que hoje, enquanto escrevo, parece ser setembro deste ano, seguido talvez de mais um corte ao final de 2024.

Com idas e vindas, é claro, o cenário de maneira geral aponta para juros algo mais altos nos EUA, assunto que abordamos há um mês. O resultado tem sido um dólar mais forte, com repercussões por aqui além da simples diferença entre o juro local e o americano.

O outro lado da história, made in Brazil, diz respeito à política fiscal. Já alertamos várias vezes neste espaço acerca da insustentabilidade do atual arranjo, o “novo arcabouço fiscal”. O que testemunhamos ao longo do mês passado foi o “réquiem” deste arranjo, em várias dimensões.

A começar porque no projeto da Lei de Diretrizes Orçamentárias para 2025 houve uma mudança relevante no que se refere à meta de resultados não apenas para aquele ano, mas também para os seguintes até 2028. De maneira geral as metas foram afrouxadas: onde havia promessas de superávits, agora se promete equilíbrio; em outros anos os superávits prometidos foram reduzidos.

T.S. Eliot

Um olhar um pouco mais atento revela ainda que as metas assim definidas excluem, no caso de 2025 e 2026, o pagamento de precatórios, ou seja, o resultado observado das contas públicas, mesmo que atinja a meta definida desta forma, na prática representa um resultado pior.

Por fim, avançando um pouco mais nas entranhas dos números projetados pelo governo percebe-se que – para atingir tais metas, mesmo mais frouxas -os investimentos federais teriam que ser reduzidos drasticamente, em pleno ano eleitoral.

Não é necessário um PhD em ciência política para concluir que tal redução é inviável para um governo em busca de reeleição, em particular num ambiente polarizado como se observa no Brasil.

Forma-se aos poucos, portanto, o consenso sobre a insustentabilidade do atual arranjo fiscal, por mais que inicialmente a Faria Lima tenha se mostrado bastante amigável a respeito.

A soma destes dois vetores tem implicações para o futuro da política monetária no Brasil.

Esperava-se não só que o BC mantivesse a sua indicação de um corte de 0,50 ponto percentual da Selic em sua reunião de maio, mas também que encerrasse o ano com a Selic na casa de 9% ao ano. A visão agora é de desaceleração no processo de corte já em maio (redução de 0,25 ponto percentual), enquanto a mediana das projeções dos analistas aponta para a taxa de juros a 9,5% ao ano em dezembro, talvez até acima disto (minha projeção em particular é com o fim do ciclo a 10% ao ano).

O conjunto da obra aponta para volatilidade nos próximos meses.

Do ponto de vista das políticas domésticas, a bem da verdade, não esperamos maiores alterações.

Já na dimensão externa, preços devem flutuar à medida que dados importantes sejam divulgados, notadamente aqueles referentes à inflação corrente, em particular as medidas acompanhadas de maneira mais próxima pelo Federal Reserve.

Isto dito, tentando olhar através da volatilidade dos mercados, creio que o cenário para o que resta até o final do ano se assemelhará ao da correção de abril, qual seja, queda lenta da inflação, portanto dos juros americanos, com fortalecimento global do dólar.

Aqui a falta de disposição para atacar o problema fiscal, somada ao constante (e crescente) ruído político oriundo da pior relação entre Executivo e Congresso, não sugere qualquer correção de rumos.

O resultado é juro mais alto, mantendo a atratividade da renda fixa. Com o risco de mudança para pior no comando do BC, papéis indexados à inflação aparecem como alternativa para a proteção do patrimônio. Momentos de dólar algo mais fraco devem proporcionar oportunidades para aumentar a diversificação de moedas.

1 Graduado em Administração pela FGV-SP e em Economia pela USP, mestre em Economia pela USP, doutor em Economia pela Universidade da Califórnia em Berkeley. Em 2003 Schwartsman sucedeu a Beny Parnes na Diretoria de Assuntos Internacionais do Banco Central do Brasil, onde permaneceu até 2006. Entre 2006 e 2008, foi economista-chefe para a América Latina do ABN Amro, e de 2008 a 2011 ocupou o mesmo cargo no Grupo Santander Brasil. Atualmente, além de ser sócio-diretor da Schwartsman & Associados Consultoria Econômica, escreve uma coluna semanal para o InfoMoney, além de uma participação semanal na rádio CBN.

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