Por Alexandre Schwartsman [1]

Carta Mensal – Novembro / 2023

“Todo mundo é rápido, às vezes. É preciso um campeão para sempre ser rápido.”
Ayrton Senna

Qual a “velocidade de cruzeiro” da economia e por que deveríamos nos preocupar com ela? Antes de responder a primeira pergunta (mas segue um “spoiler”: provavelmente não muito alta) acho ilustrativo começar pela segunda parte.

A qualquer momento a economia tem uma certa capacidade de crescimento que não causa problemas mais sérios do ponto de vista de inflação e da saúde das contas externas. Tentativas de fazer a economia crescer persistentemente (note a ênfase em “persistentemente”) acima deste limite acaba fazendo com a que a inflação fique mais alta do que o desejável (expresso pela meta definida pelo governo para a inflação) e, em muitos casos, elevados desequilíbrios externos.

Conhecemos alguns destes casos, uns mais perto (Argentina, com taxa de inflação pouco superior a 140% ao ano), outros algo mais distantes (Turquia, inflação acima de 60% e déficit externo superior a 5% do PIB). Como regra estes países enfrentam considerável instabilidade macroeconômica, em particular no que tange às suas moedas.

Como de certa forma já adiantado, o problema não é crescer num determinado ano acima do que se imagina ser a capacidade de crescimento. Caso, por exemplo, o desemprego seja muito alto num determinado momento, é possível – e, a bem da verdade, até desejável – um período de crescimento além do potencial.

A mão de obra incialmente ociosa é posta para trabalhar e o crescimento acaba tendo pouco efeito sobre inflação e contas externas.

Quando, todavia, a economia se aproxima da sua capacidade, ou, de forma equivalente, o desemprego cai para cerca do que os economistas denominaram “taxa natural de desemprego) a coisa começa a mudar de figura. Políticas que insistem em manutenção do crescimento além do sustentável reduzem a taxa de desemprego abaixo da “natural”: em consequência salários aceleram e a inflação também. Importações também precisam crescer para acomodar o consumo crescente e com o passar do tempo desequilíbrios externos se acentuam.

Vivemos uma situação como esta há cerca de 10 anos, quando – “fazendo o diabo” para ganhar a eleição, nas palavras da própria presidente à época – o governo gastou como nunca (até então) e o BC, responsável pela estabilidade, “dormiu no volante”. A inflação subiu (disfarçada pelo controle de preços) e o déficit externo atingiu a marca recorde de mais de US$ 110 bilhões em 2014, correspondente a quase metade das exportações brasileiras então.

Tais experiências devem ter deixado claro, espero, as consequências negativas de tentar crescer indefinidamente acima do potencial da economia. Mas, retornado à pergunta original, qual o ritmo de crescimento sustentável da economia brasileira?

A discussão acima sugere que seria aquele consistente com uma taxa de desemprego estável ao longo de um período suficientemente extenso (não, é claro, um ou dois meses).

De posse dos dados de crescimento do PIB e da taxa de desemprego é, portanto, possível estimar qual ritmo de expansão é consistente ao longo do tempo com uma taxa de desemprego aproximadamente inalterada. Fazendo este exercício de 2001 para cá, estimamos que neste período o crescimento potencial do Brasil seria pouco superior a 2% ao ano (2,2% caso estejam realmente curiosos).

Ocorre que muita coisa muda ao longo de mais de 20 anos. Será que hoje o crescimento potencial seria o mesmo daquele observado no início do século?

A resposta no caso é negativa. Ao que parece, a “velocidade de cruzeiro” da economia não permaneceu inalterada neste período. Infelizmente, nossas estimativas sugerem que teria se reduzido de cerca de 4% ao ano nos anos 2000 para algo na casa de 1,0-1,5%% ao ano nos últimos 15 anos.

Faz sentido? Bem, o país cresceu cerca de 3% em 2022 e ameaça repetir o número também em 2023. Se 3% ao ano fosse nosso ritmo potencial deveríamos observar uma taxa de desemprego aproximadamente constante nos últimos dois anos, conforme discutimos acima.

Todavia, o desemprego médio, que havia atingido 13,5% em 2021 caiu para 9,5% no ano passado e deve ficar próximo a 8% na média de 2023. Em termos mensais, o desemprego atingiu um pico ao redor de 15% no final de 2020, caindo para próximo a 12% no final de 2021, 8,5% em dezembro de 2022, em sua leitura mais recente, 7,8% em outubro de 2023.

Vale dizer, as evidências sugerem que o país tem crescido além do seu potencial nos últimos anos, se aproveitando, é bem verdade da elevada ociosidade de mão de obra legada pela pandemia.
Aproxima-se, contudo, o momento em que o crescimento deve se alinhar ao potencial.

Os últimos números acerca do PIB, referentes ao terceiro trimestre apontam neste sentido, revelando crescimento modesto na casa de 0,1%. Parte disto, contudo, reflete as variações do PIB da agricultura, notoriamente volátil (cresceu 12,5% no primeiro trimestre, 0,5% no segundo e agora caiu 3,3%).

Considerando o conjunto dos demais setores, notamos que o crescimento do PIB (exceto agricultura) teria se reduzido de algo como 0,9% por trimestre na primeira metade de 2023 para 0,4% no terceiro trimestre do ano.

Há, portanto, uma desaceleração relativamente suave em curso. A prosseguir neste passo deverá permitir que o Banco Central siga com o afrouxamento da política monetária. O ritmo dos cortes de juros e o movimento total do BC não estão escritos em pedra com letras de fogo. Dependerão fundamentalmente da postura da política fiscal, isto é, do funcionamento do arcabouço fiscal, nosso assunto do mês passado.

No momento espera-se que o BC siga ao ritmo de 0,5 ponto percentual até meados do ano que vem, desacelerando na segunda metade, encerrando o ciclo de afrouxamento monetário em 2025 com a taxa ainda na casa de 8,75% aa (correspondente a um juro real, descontada a inflação esperada de 3,5%, pouco acima de 5% aa).

Só veremos juros mais baixos com esforço adicional para controlar o gasto.

[1] Graduado em Administração pela FGV-SP e em Economia pela USP, mestre em Economia pela USP, doutor em Economia pela Universidade da Califórnia em Berkeley. Em 2003 Schwartsman sucedeu a Beny Parnes na Diretoria de Assuntos Internacionais do Banco Central do Brasil, onde permaneceu até 2006. Entre 2006 e 2008, foi economista-chefe para a América Latina do ABN Amro, e de 2008 a 2011 ocupou o mesmo cargo no Grupo Santander Brasil. Atualmente, além de ser sócio-diretor da Schwartsman & Associados Consultoria Econômica, escreve uma coluna semanal para o InfoMoney, além de uma participação semanal na rádio CBN.

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