Por Alexandre Schwartsman1
“Once you eliminate the impossible, whatever remains, no matter how improbable, must be the truth.”
Arthur Conan Doyle (via Sherlock Holmes)
O que parece estar puxando o dólar para cima?
Se esta pergunta me fosse feita há dois meses, por mais que seja crítico da política econômica do atual governo, não hesitaria em apontar o cenário externo, em particular a força global do dólar – fruto do reapreçamento da trajetória da política monetária nos EUA – como o principal suspeito do crime.
Na atual conjuntura, porém, não parece ser o caso. Não houve grandes mudanças na trajetória esperada de curto prazo da taxa de juros norte-americana (o primeiro corte ainda esperado para setembro), enquanto as taxas mais longas cederam um pouco. O dólar até perdeu um pouco de sua pujança.
Eliminado o impossível, diria Sherlock Holmes, o que resta, ainda que improvável, deve ser verdade. Não que a piora dos fundamentos domésticos seja improvável, longe disto.
De fato, o que observamos são várias dimensões de deterioração, mas talvez a maior delas no período mais recente seja a que ocorre no front político.
O governo sofreu derrotas importantes no Congresso, é verdade que mais na pauta de segurança (“saidinhas”) e políticas (“fake news”) do que na pauta econômica. Ainda assim, não foi animadora a reação do parlamento à Medida Provisória que limita a compensação de PIS-Cofins, o que sublinha a resistência, de maneira geral, a pautas de elevação da carga tributária.
É notável que mais da metade dos deputados que votaram contra a “saidinha” pertençam a partidos que fazem parte da chamada base governista, com direito inclusive a postos no Gabinete.
A verdade é que as mudanças nas regras que governam as emendas parlamentares retiraram muito do poder de fogo do Executivo, transferindo-o para o comando do Legislativo.
Todavia, ou isto não foi compreendido pela articulação política do Planalto, ou simplesmente esta não vislumbra outra forma de negociação com parlamentares. De uma forma, ou de outra, porém, é que a capacidade de aprovar no Congresso pautas de seu interesse tem diminuído consideravelmente em menos da metade do mandato presidencial.
Por outro lado, fica crescentemente claro que a evolução das contas públicas não seguirá a trajetória anunciada pelo comando econômico. Já chamamos a atenção em edições passadas para a virtual impossibilidade de manutenção do gasto federal alinhado às diretrizes do “Novo Arcabouço Fiscal”, o que provavelmente demandará sua alteração, por meio de Lei Complementar, ainda antes das eleições presidenciais de 2026.
Não imaginamos, é claro, que o Congresso vá se opor à elevação de gastos.
Todavia, em cenário de gastos crescentes, novas rodadas de aumentos de tributos sobram como única alternativa para que a Fazenda entregue a trajetória prometida de superávits primários (que, diga-se, ainda é insuficiente para a estabilização da dívida). Contudo, como notado acima, é visível a resistência dos deputados e senadores a medidas neste sentido. A conclusão a que se chega, portanto, é que o futuro das contas públicas, em particular na esfera federal não é exatamente promissor.
O corolário disto é que a trajetória do endividamento, a vigerem as taxas reais de juros hoje esperadas, na casa de 5-6% ao ano, não aponta sequer para estabilidade, quanto mais para queda.
Dito de outra forma, há uma incompatibilidade nítida entre a política fiscal e a política monetária. A falta de apetite para adoção de medidas efetivas de controle do gasto e as dificuldades políticas acima discutidas tornam extremamente improvável qualquer cenário de melhora fiscal.
Em tal contexto, não deveria ser surpreendente a pressão sobre o Banco Central. Esta já é visível hoje, muito embora a autonomia da autoridade monetária, expressa em mandatos fixos para sua diretoria, ainda impeça que as pressões se tornem um obstáculo à perseguição da meta por parte do BC.
Todavia, pela própria mecânica dos mandatos fixos, sabe-se que a maioria corrente no Comitê de Política Monetária (Copom) tem seus dias contados. Some-se a isto a decisão dividida na última reunião do Comitê, na qual todos os integrantes do Copom indicados pelo atual governo votaram por uma política monetária mais frouxa, apesar da visível piora do cenário inflacionário.
Assim, muito embora mercados futuros ainda sinalizem a Selic estável por algum tempo, cresce a suspeita que a política monetária a partir de 2025 não será guiada pelo objetivo de manter a inflação na meta, mas sim pelo estímulo à atividade econômica e redução do custo da dívida.
O resultado desta percepção tem sido a piora das expectativas de inflação. Depois de meses de estabilidade a 3,5% (acima da meta definida pelo CMN) as previsões coletadas pelo BC para 2025 e 2026 subiram para 3,8% e 3,6% respectivamente. Em magnitudes distintas, mas na mesma direção, também se moveu a inflação implícita (a diferença entre os rendimentos real e nominal de títulos públicos de prazo semelhante).
Em ambos os casos, portanto, há a percepção que o resultado da incompatibilidade atual entre políticas fiscal e monetária passa pela aceleração da inflação no futuro.
Esta nos parece ser a cadeia de fenômenos por trás do encarecimento recente do dólar, a saber a combinação, por um lado, de contas públicas frágeis, e, por outro, da piora do relacionamento entre Executivo e Legislativo, que impede (ao lado da visível falta de vontade do atual governo) a adoção de medidas que possam melhorar este estado de coisas.
Dado que não esperamos uma melhora espontânea das contas públicas, resta nos perguntar acerca das possibilidades de uma melhora no relacionamento entre Congresso e Planalto.
Vestindo, como de hábito, meu chapéu de cientista político amador, não me parece óbvio que haja melhora à vista, muito embora as direções de ambas as casas do Congresso devam mudar no começo do ano que vem. No Senado dá-se como certo o retorno do Senador Davi Alcolumbre à presidência da casa, o que deve resultar em dinâmica similar à imposta pelo atual presidente, Senador Rodrigo Pacheco, que impôs derrotas ao Executivo.
Já quanto à Câmara, há menos clareza quanto a nomes, mas uma certeza: Arthur Lira deve liderar o processo, o que não prefigura mudança de relacionamento.
Em suma, também não esperamos uma dinâmica política mais positiva. Nem, diga-se, o mercado financeiro, o que explica a persistência de prêmios do risco, dos quais o dólar é apenas o mais visível.
1 Graduado em Administração pela FGV-SP e em Economia pela USP, mestre em Economia pela USP, doutor em Economia pela Universidade da Califórnia em Berkeley. Em 2003 Schwartsman sucedeu a Beny Parnes na Diretoria de Assuntos Internacionais do Banco Central do Brasil, onde permaneceu até 2006. Entre 2006 e 2008, foi economista-chefe para a América Latina do ABN Amro, e de 2008 a 2011 ocupou o mesmo cargo no Grupo Santander Brasil. Atualmente, além de ser sócio-diretor da Schwartsman & Associados Consultoria Econômica, escreve uma coluna semanal para o InfoMoney, além de uma participação semanal na rádio CBN.