Por Alexandre Schwartsman1

“It’s Only hubris if I fail”

Júlio César

Há quem diga que a taxa de câmbio tem três naturezas distintas: (a) é um preço relativo entre as coisas que podem ser internacionalmente comercializadas e as que não podem, desempenhando papel central na determinação do equilíbrio externo de um país; (b) é um preço de um ativo financeiro, no caso a moeda estrangeira; (c) é um instrumento perverso feito para humilhar os economistas que cometem o percado mortal da arrogância (hubris) ao tentar prever seu futuro. Apesar disto, segue aqui o meu palpite.

Quem observa o comportamento do dólar no Brasil nos últimos meses deve ter notado que suas flutuações seguem relativamente de perto as oscilações da moeda norte-americana contra o euro, ou mesmo contra as demais moedas de países desenvolvidos. Para falar a verdade, em quatro dos últimos seis meses, o euro custou exatamente R$ 5,35 (nos outros dois, R$ 5,30 e R$ 5,41) sinal de baixíssima volatilidade entre essas duas moedas.

Quero deixar claro que nem sempre é assim: há momentos em que fatores domésticos acabam afetando esta relação, mas não tem sido o caso no período mais recente. Neste sentido, se queremos entender o que vem acontecendo com o dólar no Brasil – e, mais importante, o que pode acontecer com o dólar no Brasil – temos que olhar para o que parece determinar o valor da moeda norte-americana relativamente às demais moedas fortes, notadamente o euro.

Um fator importante, senão crucial, para explicar a diferença de desempenho entre as moedas é o comportamento das taxas de juros, no caso as americanas em comparação às que vigoram na Zona do Euro.

Hoje a taxa básica de juros nos EUA, a Federal Funds Rate (FF), se encontra no intervalo de 5,25 a 5,50% ao ano, ou seja, perto de 1 ponto percentual acima da taxa básica do BCE, 4,50% ao ano.

Não é segredo que o Federal Reserve pretende reduzir a FF este ano. Projeções do próprio Comitê de Política Monetária (FOMC) indicam que a maioria dos diretores pretende realizar três cortes de juros (é bem verdade também que esta maioria é bastante estreita: se um diretor se tornar um pouco mais conservador, os três cortes podem virar apenas dois), o que traria a FF para o intervalo 4,50-4,75% ao ano no final de 2024.

Nem é segredo que o BCE também pretende cortar a taxa de juros, embora, ao contrário do Fed, não haja nenhum documento indicativo da magnitude da redução.

A questão, então, em boa parte se resume a tentar inferir quem terá mais espaço (ou mais necessidade) para reduzir a taxa de juros. Quem cortar mais forte deverá ver sua moeda perder valor na comparação com a outra.

Nos EUA, apesar do declarado interesse do Fed, o comportamento recente da economia, seja do ponto de vista de crescimento, seja do ponto de vista da inflação, ainda não permite uma atuação mais agressiva no que se refere à taxa de juros.

Nos primeiros meses do ano a inflação, mesmo as medidas que “limpam” os efeitos temporários e acidentais dos índices oficiais, mostram estabilidade em patamares acima da meta (2% ao ano), quando não alguma aceleração relativamente ao observado na segunda metade do ano passado. Já a inflação de serviços, mais sensível ao nível de atividade, parece ter subido.

De maneira similar, a atividade econômica por lá segue em expansão. As projeções mais recentes do Federal Reserve de Atlanta – que normalmente têm se aproximado bem dos números oficiais – aponta para ritmo de crescimento de 2,8% ao ano no primeiro trimestre. A geração de empregos no período foi forte e a taxa de desemprego permanece perto das mínimas históricas.

Não é por outro motivo que, embora o mercado tenha colocado suas fichas no início do ciclo de corte de juros já em março (o que não aconteceu), as apostas agora mudaram para meados do ano (junho ou julho).

Em contraste, a inflação na Zona do Euro, ainda que acima da meta (também 2% ao ano), tem caído de forma mais consistente, levando o Comitê a projetar inflação perto da meta no final do ano, convergindo para ela já ao longo de 2025. Ao mesmo tempo, a atividade econômica tem sido bem mais fraca do que nos EUA por um conjunto de fatores, inclusive o aumento da concorrência da indústria chinesa nas exportações globais, com efeitos negativos sobre a economia alemã, a maior da Zona do Euro.

Tais desenvolvimentos parecem apontar para um ciclo de afrouxamento monetário ocorrendo mais cedo, e talvez com maior intensidade, na Zona do Euro, comparado aos EUA.

Assim, a cada sinal da economia americana mais forte, e/ou da inflação mais resiliente, vemos algum fortalecimento do dólar via-à-vis o euro, com reflexos por aqui.

Se nosso cenário acerca da relação entre inflação e atividade nos EUA e Zona do Euro estiver correto, podemos esperar que o dólar aqui se mantenha acima da marca de R$ 5,00, não exatamente por nossos “pecados” econômicos, mas porque a moeda norte-americana deve se fortalecer frente à sua principal rival no mercado de moedas.

Como boa parte dos preços de produtos importados e exportados são denominados em dólares, pode haver algum impacto sobre a inflação, seja puxando estes preços para cima, seja impedindo que caiam mais fortemente medidos em moeda nacional.

Para ser sincero, tais impactos não têm sido muito relevantes (estima-se quem o encarecimento permanente do dólar em 1% elevaria a inflação no trimestre seguinte em cerca de 0,1%), mas, de qualquer forma, a desvalorização da moeda não ajudaria o BC a manter o ritmo de redução de juros, beneficiado, segundo o Relatório de Inflação do Banco Central, exatamente por uma desaceleração da “inflação importada”, em parte pelo enfraquecimento do dólar no ano passado.

No conjunto da obra temos, portanto, alguma relação entre o comportamento das taxas de juros americanas e as brasileiras. Uma maior rigidez para baixo nas taxas lá fora acaba, em certo grau, dificultando – embora não impedindo – novas rodadas de redução por aqui.

Sem o auxílio externo, restaria o aperto do cinto do governo como instrumento de reduzir pressões inflacionárias (e talvez até fortalecer o real). Mas, como sabemos, esta não é uma prioridade do governo.

Seguiremos assim ao sabor das movimentações internacionais.

1 Graduado em Administração pela FGV-SP e em Economia pela USP, mestre em Economia pela USP, doutor em Economia pela Universidade da Califórnia em Berkeley. Em 2003 Schwartsman sucedeu a Beny Parnes na Diretoria de Assuntos Internacionais do Banco Central do Brasil, onde permaneceu até 2006. Entre 2006 e 2008, foi economista-chefe para a América Latina do ABN Amro, e de 2008 a 2011 ocupou o mesmo cargo no Grupo Santander Brasil. Atualmente, além de ser sócio-diretor da Schwartsman & Associados Consultoria Econômica, escreve uma coluna semanal para o InfoMoney, além de uma participação semanal na rádio CBN.

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