History recalls how great the fall can be / While everybody’s sleeping, the boats put out to sea” (Supertramp)

Edição semestral: Alexandre Schwartsman 1

O mercado financeiro parece eufórico com o primeiro semestre do novo governo. O dólar segue testando novas mínimas, os juros futuros caíram e a Bolsa subiu bem no ano, em particular no segundo trimestre. Tudo parece de vento em popa, ainda mais com a iminência da aprovação do chamado “novo arcabouço fiscal”, agora apelidado de “regime fiscal sustentável”, que aponta para uma trajetória de retorno relativamente rápido ao equilíbrio das contas públicas.

Para completar o cenário positivo, o desempenho bem mais forte do que o esperado do PIB no primeiro trimestre tem levado a uma revisão considerável da atividade no ano: o crescimento, previsto no começo do ano para pouco menos de 1%, deve ficar acima de 2%.

Podemos soltar os rojões? Bem, quem quiser pode, mas por sua conta e risco.

A começar porque o que foi vendido como o grande avanço em termos de política fiscal representa, na verdade, um considerável retrocesso. De fato, depois de modesto superávit nas contas federais, sem considerar o pagamento dos juros, perto de 0,5% do PIB, nos encaminhamos, segundo a avaliação mais recente do Tesouro Nacional para um déficit algo superior a 1% no resultado de 2023.

A proposta do arcabouço promete zerar este déficit no ano que vem e transformá-lo em superávit equivalente a 1% do PIB em 2026, uma melhora de pouco mais de 2 pontos percentuais do PIB (hoje cerca de R$ 250 bilhões) ao mesmo tempo que permite expansão das despesas ao ritmo mínimo de 0,6% acima da inflação a cada ano (perto de R$ 40 bilhões em 3 anos). Ou seja, na melhor das hipóteses do ponto de vista de evolução das despesas (mais sobre isto à frente), seriam necessários R$ 290 bilhões em novas receitas para equilibrar a conta.

Para termos uma ideia da magnitude da coisa, noto que o receita total do governo federal estimada para 2023 é da ordem de R$ 2,4 trilhões, isto é, a receita teria que crescer perto de 12% em 3 anos, ou seja, 3,9% ao ano, acima da inflação.

Isto dito, caso a receita cresça neste ritmo, o arcabouço prevê despesas crescendo 2,5% ao ano acima da inflação (a regra determina que o crescimento das despesas é 70% do crescimento das despesas, limitado a 2,5% ao ano). Dito de outra forma, mesmo que o governo federal obtivesse as receitas que necessita (sabe-se lá de onde, porque nada foi explicitado a respeito) para fechar as contas no caso de crescimento mínimo das despesas, isto não bastaria, pois as próprias regras a serem aprovadas permitiriam aumento adicional das despesas.

Também não está claro que a regra será efetiva quanto à limitação das despesas. Afora as exceções, algumas agora aprovadas pelo Senado, as despesas obrigatórias do governo seguirão crescendo de acordo com suas próprias regras: aumento do salário mínimo (acima da inflação) no caso das despesas previdenciárias, do Benefício de Prestação Continuada (BPC), abono salaria e salário desemprego (rubricas que representam sozinhas pouco mais da metade do gasto federal); aumento do salário do funcionalismo, no caso das despesas com pessoal, aumento da arrecadação no caso de gastos com saúde e educação, e assim por diante.

De fato, trabalho recente de Marcos Lisboa, Marcos Mendes e coautores revela ser pouquíssimo provável que, dada a evolução do gasto obrigatório, o gasto total siga no intervalo de 0,6% a 2,5% acima da inflação. Deverá crescer bem mais.

Ao final das contas, apesar do oba-oba em torno do arcabouço fiscal, talvez em parte justificado porque se esperava algo ainda pior, a triste verdade é que apresenta os mesmos defeitos do teto de gastos (a dificuldade conciliar a evolução da despesa com os ditames legais), sem suas qualidades (simplicidade, assim como uma trajetória implícita de ajuste mais rápida do que o proposta pelo arcabouço).

Some-se a isto os persistentes ataques ao BC, por conta de sua política supostamente exagerada em busca da convergência para a meta de inflação. A bem da verdade, o BC parou de elevar a taxa de juros em agosto do ano passado, quando sua própria previsão (4,6%) apontava para inflação levemente acima do teto da meta para 2023, isto é, já resignado a buscar a convergência apenas por volta do terceiro trimestre de 2024, isto é, dois anos à frente.

Em que pese a decisão de não alterar o patamar da meta para a inflação (ainda não tomada enquanto escrevo este comentário), a postura da administração com relação ao BC indica suas intenções de reproduzir o mesmo quadro de subordinação que marcou o governo Dilma, quando o BC acabou por seguir as ordens da presidente com graves consequências primeiro para o controle da inflação e segundo (e mais importante) em termos do custo que foi trazer a inflação de volta à meta quando atingiu o patamar de dois dígitos em 2015.

É bem verdade que alguns dos piores impulsos do atual governo foram evitados por força do Congresso, por exemplo, o marco do saneamento, mas, impedir retrocessos não significa avançar reformas, onde a agenda tem sido pobre, com uma exceção importante: a reforma tributária.

Mesmo que a iniciativa da reforma não possa ser atribuída ao atual governo, pois a discussão vem de antes, é inegável que, ao contrário da administração anterior, parece haver interesse em fazê-la avançar. E, ainda que a proposta, como parece estar saindo da comissão da Câmara, anão seja a ideal, ela supera, com folga o que temos hoje e pode, sim, levar a boas consequências em termos de crescimento de produtividade.

É necessário, contudo, notar que – mesmo aprovada este ano, resultado que está longe de garantido em função da resistência de vários setores à proposta, notadamente o segmento de serviços – a reforma só entrará plenamente em vigor alguns anos à frente. De acordo com o ministro da Fazenda, apenas em 2033 ela estará em plena operação, ou seja, apesar de potencial positivo, seus efeitos só aparecerão em prazo muito longo.

No conjunto da obra, portanto, muito pouco foi feito para justificar a euforia do mercado, que, da forma como entendo, parece resultar muito mais da percepção positiva sobre as condições externas (um possível “pouso suave” nos EUA, inclusive sem problemas mais sérios no sistema bancário, como ameaçado no começo deste ano), do que na melhora do desempenho doméstico.

Mesmo o crescimento mais forte do PIB resulta de um fenômeno específico, o extraordinário desempenho do agronegócio, dado que a indústria encolheu e que a expansão dos serviços foi bem mais modesta, sinalizando desaceleração.

Muito barulho por (quase) nada.

1 Graduado em Administração pela FGV-SP e em Economia pela USP, mestre em Economia pela USP, doutor em Economia pela Universidade da Califórnia em Berkeley. Em 2003 Schwartsman sucedeu a Beny Parnes na Diretoria de Assuntos Internacionais do Banco Central do Brasil, onde permaneceu até 2006. Entre 2006 e 2008, foi economista-chefe para a América Latina do ABN Amro, e de 2008 a 2011 ocupou o mesmo cargo no Grupo Santander Brasil. Atualmente, além de ser sócio-diretor da Schwartsman & Associados Consultoria Econômica, escreve uma coluna semanal para o InfoMoney, além de uma participação semanal na rádio CBN.

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