Por Alexandre Schwartsman [1] 

Carta Mensal – Dezembro / 2023

“É difícil fazer previsões, especialmente sobre o futuro.”  

Niels Böhr 

2023 acabou sendo um ano melhor do que se esperava, em parte por desenvolvimentos domésticos, em parte porque o cenário externo também evoluiu mais favoravelmente.   

Começando pelo ambiente internacional, a inflação caiu rapidamente na esteira da elevação das taxas de juros pelos principais bancos centrais do mundo. Concentrando-nos apenas nas medidas de inflação menos suscetíveis a eventos acidentais e temporários (“núcleos de inflação”), observamos o ritmo de elevação de preços se desacelerar da vizinhança dos 6,5% ao ano nos EUA para cerca de 4,0%, enquanto na Zona do Euro caiu de 5,5% para 3,5%, em ambos os casos justificando o fim – ao que parece – do ciclo de aperto monetário. 

Nos EUA, em particular, a queda da inflação ocorreu contra o pano de fundo de uma desaceleração muito modesta da atividade, o tal “pouso suave”. Houve elevação mínima da taxa de desemprego, de 3,5% em meados do ano para 3,7% no final de 2023. Embora a geração de postos de trabalho tenha também desacelerado, não houve queda do nível de emprego; apenas redução do nível de vagas não preenchidas pelas empresas. Dito de outra forma, a menor demanda por trabalhadores não chegou a impactar o desemprego.

Com isso salários também passaram a crescer mais vagorosamente, ajudando a trazer a inflação para baixo. Assim, o Federal Reserve, em sua última reunião de 2023 sinalizou a possibilidade de três cortes de juros (contra dois indicados na reunião de setembro), ainda que falte um tanto para que a inflação retorne à sua meta (2%). 

Os mercados, notadamente o de renda fixa, reagiram de maneira eufórica, empurrando a taxa de juros de 10 anos de mais de 5% ao ano para pouco menos do que 4% ao ano, com repercussões para todos os demais mercados (ou seja, bolsas para cima, dólar mais fraco e maior apetite por risco). 

A bem da verdade, porém, o próprio Federal Reserve parece mais comedido, indicando baixa chance de cortes ainda no primeiro trimestre deste ano, apesar da euforia. Os últimos números do mercado de trabalho referentes ao final de 2023, além disto, sugerem que a convergência da inflação para a meta deverá ocorrer de maneira mais lenta do que aparenta ser a visão hoje predominante. 

Mesmo porque não faltam riscos. Independentemente do resultado das eleições americanas este ano, é difícil imaginar que qualquer governo por lá esteja disposto a apertar o cinto, seja em 2024, seja nos próximos anos. Da mesma forma, as complicações geopolíticas não nos abandonaram, ainda bastante concentradas em países exportadores de petróleo, seja no Oriente Médio, seja na Rússia. 

Isto dito, o cenário principal ainda aponta para o “pouso suave” em 2024: crescimento algo inferior ao de 2023, mas ainda em terreno positivo, consistente com juros e inflação em queda. 

No caso do Brasil a principal surpresa veio do lado da agricultura. Embora ainda não tenhamos os números fechados de 2023, que deverão ser divulgados apenas no final do primeiro trimestre, o produto do setor agrícola deve ter crescido perto de 15% no ano passado, com consequências mais gerais do que se pensa.  

À parte o impulso direto sobre o PIB, pouco inferior a 1%, as exportações cresceram vigorosamente. De um saldo comercial recorde, quase US$ 100 bilhões no ano passado, a agropecuária contribuiu com nada menos do que US$ 77 bilhões, em função do aumento das quantidades, decorrência direta da expansão do produto no setor.  

Note-se que pouco mais da metade destas exportações (assim como no caso da indústria extrativa mineral: petróleo e minério de ferro) tiveram como destino a China, que também respondeu por cerca de metade do saldo comercial de 2023 

O bom desempenho das exportações agrícolas, ajudado por preços industriais em queda, permitiram maiores importações (em volume, não em dólares) de bens de consumo (aumento de 24% no caso dos bens duráveis e 7% no que se refere a bens não-duráveis), fenômeno que ajudou a reduzir a inflação doméstica. 

Em que pese a permanência da inflação ainda acima da meta para este ano e muito provavelmente no próximo, o processo de afrouxamento monetário iniciado na segunda metade de 2023 deve continuar trazendo a taxa básica para patamares próximos a 9% ao ano no final de 2024

Resta, porém, a questão fiscal. Embora ainda não tenhamos os dados finais de 2023, sabemos que o déficit deve ter superado em muito as promessas de um valor equivalente a 1% do PIB e não apenas porque houve o pagamento dos precatórios atrasados em dezembro (descontados os precatórios, o déficit deve ter atingido mais de 1,5% do PIB). 

A promessa de déficit zero permanece fora de alcance e – apesar do adiamento da decisão acerca da meta fiscal ao final do ano passado – dificilmente a meta oficial será mantida, dado que isto obrigaria o governo a contingenciar parte de seus gastos, perspectiva fora dos planos, ainda mais em ano eleitoral. 

Não por outro motivo, taxas reais de juros (e aqui não nos referimos à Selic, mas às taxas mais longas, por exemplo de 5 ou 10 anos) permanecem teimosamente acima de 5% ao ano. Investimentos, portanto, continuam em queda, o que se traduz, como investigamos na última edição, em potencial de crescimento mais baixo. 

A menos, portanto, de novas surpresas na área agrícola (que especialistas no setor sugerem ser bastante improváveis), dificilmente repetiremos o desempenho de 2023, seja no que respeita o PIB, seja o próprio desempenho da balança. 

No conjunto da obra, portanto, falamos de crescimento mais modesto do PIB, 1% a 1,5%, inflação em queda, mas convergência lenta para a meta, entre 3,5% e 4,0%, e a Selic caindo, como dissemos, para perto de 9% no final do ano. 

Tal combinação, embora longe de ser um desastre, deve acirrar as tensões políticas dentro do próprio governo. Não é por outra razão que mesmo o ministro da Fazenda que presidiu o maior aumento de gastos de todos os tempos (exceto, claro, durante a pandemia) tem sido taxado de austericida. O Brasil não é mesmo para iniciantes. 

[1]Graduado em Administração pela FGV-SP e em Economia pela USP, mestre em Economia pela USP, doutor em Economia pela Universidade da Califórnia em Berkeley. Em 2003 Schwartsman sucedeu a Beny Parnes na Diretoria de Assuntos Internacionais do Banco Central do Brasil, onde permaneceu até 2006. Entre 2006 e 2008, foi economista-chefe para a América Latina do ABN Amro, e de 2008 a 2011 ocupou o mesmo cargo no Grupo Santander Brasil. Atualmente, além de ser sócio-diretor da Schwartsman & Associados Consultoria Econômica, escreve uma coluna semanal para o InfoMoney, além de uma participação semanal na rádio CBN.

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