Por Alexandre Schwartsman1
Admirável mundo novo
Por Alexandre Schwartsman1
“When the facts change, I change my mind – what do you do, sir?” John Maynard Keynes
A eleição de Donal Trump, ainda mais da forma como foi, com vitória também no voto popular, domínio republicano no Senado e, provavelmente na Câmara dos Deputados, coloca novos desafios para a economia global, países emergentes e, claro, o Brasil.
A economia norte-americana aparenta estar no caminho para o chamado “pouso suave”, isto é, a desaceleração da inflação, que se aproxima da meta, sem custo significativo do ponto de vista de atividade e emprego.
A inflação, segundo a métrica usada pelo Federal Reserve (o PCE, ex-alimentos e energia) acumulou 2,7% nos últimos 12 meses, enquanto a variação anualizada no terceiro trimestre de 2024 chegou a 2,3%, muito próxima da meta do Fed, 2%. Para fins de comparação, no segundo trimestre do ano ainda acumulava 4,6% em 12 meses e 4,1% (anualizado) em 3 meses.
Apesar disto, o crescimento do PIB no terceiro trimestre foi praticamente igual ao do segundo (2,8% contra 3,0%) e a taxa de desemprego se manteve estável, 4,1%, apenas pouco acima do observado na primeira metade do ano.
À luz disto, o Fed se sentiu seguro para iniciar o muito aguardado processo de redução da taxa básica de juros, que foi cortada em 0,5 p.p. em setembro e 0,25 p.p. em novembro, sinalizando, inclusive, novos cortes à frente.
A política econômica prometida pelo recém-eleito presidente, todavia, tem o potencial de perturbar este cenário, por pelo menos duas vias distintas.
A primeira é a promessa de elevação das tarifas de importação de maneira geral (fala-se em 20%,) e ainda mais altas (60%) no caso da China, decisão que, diga-se, não depende de aprovação do Congresso. Esta medida abre espaço para que empresas locais que hoje competem com produtos importados possam aumentar seus preços, não apenas no caso dos bens finais (como carros), mas também dos chamados bens intermediários (como aço), usados na fabricação local.
A depender da intensidade da elevação das tarifas, a convergência da inflação pode ser atrasada, ou mesmo revertida. É bem verdade que a imposição de tarifas, ao reduzir a demanda por importações, implica certo fortalecimento do dólar (tema a que voltaremos à frente), que atenua o impacto sobre os preços locais ao baratear as importações, mas dificilmente na magnitude ao aumento das tarifas.
Adicionalmente, o novo presidente promete novas rodadas de estímulo fiscal, principalmente na forma de cortes de impostos sem redução equivalente de gastos.
Isto deve acelerar o crescimento da demanda interna, em particular do consumo, os principais motores da expansão americana. Todavia, no contexto de uma economia que opera com taxa de desemprego, como notado, já baixa, há um risco adicional de elevação da inflação, no caso por excesso de demanda.
O mercado já reagiu fortemente a estas propostas. Na esteira da divulgação dos resultados, as taxas de juros dos títulos do Tesouro americano se elevaram visivelmente, assim como as expectativas de inflação.
Para o período de 5 anos à frente o mercado apreça inflação pouco inferior a 2,5% ao ano (contravalores na casa de 2% em agosto e setembro).
A correção das taxas de juros foi ainda mais significativa. A taxa de juros para 3 anos, que chegou próxima a 3,5% em setembro, agora se encontra na casa de 4,2%, reagindo a perspectivas de cortes menores da taxa básica de juros. Já a taxa para 10 anos, 3,7% em setembro, chegou a 4,4%, refletindo a necessidade de novas emissões de papéis governamentais.
Juros mais altos nos EUA implicam fortalecimento do dólar frente às demais moedas. O euro, que custava 1,11 dólar em setembro, caiu para 1,08 agora, processo similar ao observado para as moedas de países desenvolvidos.
Em resumo, o governo Trump implica juro mais alto e dólar mais forte, desenvolvimentos que exigem adaptação das outras economias.
No caso de economias já bem ajustadas, com contas públicas em ordem e inflação ao redor da meta, o desafio é menor. A moeda pode perder um tanto de seu valor, mas nenhum dano maior.
Já o Brasil enfrenta outra sorte de dificuldades.
As contas públicas estão longe de qualquer noção de equilíbrio, de modo que a dívida, medida em relação ao PIB, deve continuar sua marcha inexorável nos próximos anos,
Estima-se que, para estancar este processo, seja necessário um ajuste fiscal da ordem de 3,5% do PIB, ou seja, algo como R$ 400 bilhões a preços de hoje. Embora não seja exequível fazê-lo em período muito curto de tempo, seria necessário acenar com um programa economicamente crível e politicamente viável para fazer este ajuste num período não muito extenso, digamos, até 5 anos.
Sem isto, o que se observa não é apenas o enfraquecimento da moeda além do experimentado no caso dos demais países emergentes, mas também, e principalmente, a elevação das taxas reais de juros em todos os prazos, incluindo os mais longos, que se encontram acima de 6% ao ano.
A questão, portanto, é saber se o governo terá o apetite para encarar o desafio.
Apesar das repetidas promessas do ministro da Fazenda, há mais do que razões circunstanciais para saudável ceticismo.
As medidas necessárias, que podem sugerir um ajuste economicamente crível, não parecem ser politicamente viáveis, não necessariamente no que respeita a potenciais obstáculos no Congresso, mas principalmente porque afetam de maneira negativa os interesses (e crenças) do Executivo.
Seja porque o presidente da República deverá enfrentar batalha morro acima para se reeleger (ou mesmo eleger um sucessor), seja porque os interesses dos diferentes ministros são prejudicados, dificilmente podemos apostas num ajuste da magnitude acima descrita.
Se qualquer coisa sair, deverá ser muito menor do que o requerido, mantendo, portanto, a dívida em trajetória crescente.
Elevação de taxas de importação e redução de impostos vão certamente minar a economia americana. Primeiro porque a elevação de custos hoje é global e os EUA não são uma ilha. Segundo porque a redução de impostos apenas beneficiará os ricos visto que o “ganho extra” irá para o bolsos dos controladores e não para preços mais baixos como sempre ocorre no capitalismo. Trump vai ter muitas surpresas negativas.