Edição semestral: Alexandre Schwartsman1

“Eles vão levando
Levando o que pode
Se deixar com eles
Eles levam até os bodes”

Tim Maia

Os movimentos sísmicos da economia global começaram até um pouco mais cedo do que esperávamos. A partir do final de 2021 o Federal Reserve passou a sinalizar uma mudança importante em sua postura de política monetária. 

Depois de passar boa parte do ano insistindo na tese de aceleração temporária da inflação, a autoridade monetária norte-americana parece ter mudado de ideia. Na esteira de sua última reunião em 2021 o Comitê de Política Monetária (FOMC) revelou que a maioria de seus membros espera 3 rodadas de elevação da taxa básica de juros (o Fed Funds) ainda em 2022, mudança drástica com relação à sua comunicação anterior (de setembro), quando tal consenso não havia ainda sequer sido forjado.  

Na mesma linha, o FOMC apontou também para a remoção mais rápida dos atuais estímulos monetários. A compra de títulos públicos federais e papéis lasterados em hipotecas, que se esperava continuar até meados de 2022, deve se encerrar provavelmente no primeiro trimestre, abrindo espaço para a primeira alta do Fed Fund já em maio. De fato, os futuros de juro embutem cerca de 50% de chance de uma elevação 0,25% naquela reunião e 33% de aumento de 0,50%. 

Não por outro motivo a taxa de juros apreçada nos contratos de 1 a 2 anos à frente apontam para valores pouco inferiores a 1,5% ao ano, em contraste com o observado até o terceiro trimestre de 2021, quando sugeriam a taxa de juros na casa de 0,5% ao ano. Não se trata, é bom que se diga, de um aperto monetário extremo, mas não há como negar que as condições extraordinariamente frouxas de liquidez que vigoraram até há pouco já estão em via de alteração. 

É neste contexto que se insere a economia brasileira e seus desafios. Sua recuperação depois do impacto da pandemia foi forte e rápida: no começo de 2021 os níveis gerais de produção já eram comparáveis aos observados antes da crise.  

Olhando em mais detalhe era claro que a recuperação da demanda e produção de bens se deu em velocidade bastante superior à observada no caso de serviços: tanto a produção industrial como as vendas no varejo superavam os níveis pré-pandemia; já o setor de serviços, mais dependente da interação pessoal – portanto mais vulnerável às medidas de distanciamento social – ficou num primeiro momento para trás. 

Isto, contudo, se alterou. Apesar da retomada dos serviços em função da vacinação, o atividade se encontra estagnada. A inflação alta corroeu a renda das famílias e mesmo o aumento de emprego, que no último trimestre de 2021 finalmente se aproximou do observado no começo de 2020, não foi suficiente para compensar o fenômeno. O resultado é a queda modesta, porém persistente, das vendas no varejo, com reflexos sobre a produção industrial. 

Assim, muito embora o crescimento de 2021 deva ter atingido pouco menos do que 5%, o número expressivo se deve muito mais à base de comparação deprimida pela crise sanitária do que ao vigor da economia no ano passado. 

A isto soma-se o aperto monetário considerável que vem desde o início de 2021. A taxa de juros básica, a Selic, que se encontrava em 2% ao ano então, já subiu para 9,25% ao ano em dezembro e o BC indica novas rodadas de aumento em 2022: pelo menos mais 1,50% em fevereiro e provavelmente mais dois movimentos ainda durante a primeira metade do ano, que deve levar a Selic para algo entre 11,50-12,00% ao ano, os níveis mais altos desde 2016. 

O ritmo de aperto monetário deve ajudar a reduzir a inflação grosso modo à metade entre 2021 e 2022 (de perto de 10% para perto de 5%), contando  também com alguma ajuda dos preços administrados, cujo ritmo de aumento será consideravelmente mais lento do que o registrado no ano passado. Assim, talvez o BC não precise escrever nova Carta Aberta explicando a perda até do teto da meta de inflação. 

Por outro lado, a desinflação terá custos. O consenso para o crescimento em 2022 já se encontra ao redor de 0,3% segundo a pesquisa Focus do BC, embora minha projeção seja um pouco pior do que a indicada pela mediana dos participantes do Focus (entre 0% e -0,5%). 

Inflação mais baixa que a do ano passado, crescimento fraco e juro mais alto implicam uma combinação complicada para as contas públicas. Os ganhos expressivos oriundos da corrosão inflacionária dos gastos e da dívida registrados em 2021 não devem se repetir, assim como o crescimento da arrecadação. Já o juro real (acima da inflação) mais elevado empurra a dívida para cima. 

A triste verdade é que a melhora das contas públicas em 2021 foi, este sim,um fenômeno temporário. Os desafios quanto ao ajuste fiscal, portanto, permanecem, provavelmente ainda maiores por força das mudanças no cenário internacional. 

Por si só, trata-se de cenário negativo para a moeda nacional, ainda mais em contexto de fortalecimento global do dólar. 

O cenário político, porém, contribui para agravar o problema. 

Muito embora seja ainda cedo demais para atribuirmos às pesquisas eleitorais um peso considerável, elas apontam uma vitória do ex-presidente Lula, talvez em segundo turno contra o presidente Bolsonaro. 

Entendo que ambos não apresentam projetos para corrigir nosso problema de contas públicas; pelo contrário. Agravando a questão, o ex-presidente, ou pelo menos seu entorno mais próximo, apontam para reversão de reformas conquistadas nos últimos anos, cujo exemplo mais saliente é a modesta alteração das regras trabalhistas aprovada em 2017. 

O risco político implica, portanto, revisão dos preços de ativos nacionais em geral, incluindo no pacote a Bolsa, o real e os títulos públicos. 

A melhora do cenário depende, assim, fundamentalmente de alterações na atual configuração eleitoral, de preferência com o aparecimento de alguma corrente que abrace a agenda de consolidação fiscal e, simultaneamente, tenha (ou aparente ter) musculatura política para desafiar os atuais favoritos. Sem isto, será muito difícil esperar uma melhora consistente dos mercados brasileiros. 

1 Graduado em Administração pela FGV-SP e em Economia pela USP, mestre em Economia pela USP, doutor em Economia pela Universidade da Califórnia em Berkeley. Em 2003 Schwartsman sucedeu a Beny Parnes na Diretoria de Assuntos Internacionais do Banco Central do Brasil, onde permaneceu até 2006. Entre 2006 e 2008, foi economista-chefe para a América Latina do ABN Amro, e de 2008 a 2011 ocupou o mesmo cargo no Grupo Santander Brasil. Atualmente, além de ser sócio-diretor da Schwartsman & Associados Consultoria Econômica, escreve uma coluna semanal para o InfoMoney, além de uma participação semanal na rádio CBN.

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