A imposição de tarifas adicionais de 40% sobre as exportações brasileiras para os EUA tem impactos sobre a economia, mas o canal principal não parece ser o puramente econômico, e sim predominantemente político. A verdade é que a imposição das tarifas foi completamente inesperada e, como fica claro, não está relacionada a sequer com o fetiche mercantilista associado ao tamanho dos saldos comerciais: desde 2009 o Brasil não registra superávits nas transações com os EUA. A motivação da medida foi essencialmente política, ligada ao processo a que está sujeito o expresidente Bolsonaro, fenômeno que também se traduz no tipo de reação que enseja. Independentemente, porém, da origem, as tarifas afetam as exportações para o terceiro maior destino, logo após a China e a União Europeia, que representavam cerca de US$ 44 bilhões nos 12 meses terminados em junho, equivalentes a 2% do PIB brasileiro. Igualmente importante, o perfil das exportações para aquele mercado difere em muito do restante: cerca de 80% das exportações brasileiras para os EUA são de produtos manufaturados; para todos os demais países, esta proporção mal ultrapassa 50%. É bem verdade que o rótulo “manufaturado” é amplo o suficiente para capturar produtos tão distintos como suco de laranja e perfis de aço, assim como máquinas e aeronaves. De qualquer forma, isto também se aplica às exportações para outros mercados, de modo que podemos presumir que restrições às exportações para os EUA afetam desproporcionalmente a indústria de transformação. De fato, trata-se do maior mercado deste setor dentre todos os nossos parceiros comerciais. Isto traz ao menos uma complicação adicional: enquanto exportações de commodities podem ser redirecionadas a custos relativamente modestos (pensem em petróleo), a de produtos manufaturados, em particular bens diferenciados, não têm tal característica (pense em aeronaves). O aumento de seu custo final para o comprador americano deve levar à redução de quantidades. Há desafios consideráveis para estimar este impacto, mas – com base nos estudos das exportações brasileiras de manufaturados em geral – podemos concluir que, no caso mais provável, a redução seria equivalente a 16-17%, correspondente a uma queda de 0,3-0,4% da demanda na economia. Todavia, como se sabe, foi divulgada também uma lista de exceções às exportações gravadas: algo como 45% do valor ficou isento da tarifa adicional de 40% (mas não da tarifa base de 10%). Ao final das contas, estimamos que o impacto seja aproximadamente metade do valor acima, isto é, 0,15-0,20% do PIB. O impacto modesto reflete essencialmente a pequena integração da economia brasileira aos fluxos comerciais em geral, e com os EUA em particular. Como notado, porém, este canal não esgota o efeito das tarifas sobre a economia nacional, embora o canal mais relevante seja, como adiantado, político. Era claro que, antes das tarifas, o governo buscava uma “narrativa”, tema aqui explorado no mês passado, mas com pouco sucesso. Todavia, ao estabelecer a ligação entre as tarifas e o julgamento do Bolsonaro, as manifestações do presidente americano, ofereceram uma oportunidade de ouro ao governo brasileiro. Em linha com o esperado, Lula adotou um discurso nacionalista, atribuindo à oposição a culpa pela imposição das tarifas. Tal ação rendeu dividendos políticos, expressos na elevação da popularidade presidencial, bem como em avaliações mais positivas das pesquisas eleitorais, replicando o ocorrido no Canadá e na Austrália. Não sabemos, é bom deixar claro, a extensão e, principalmente, a persistência deste efeito, e há bons argumentos para acreditar que se trata de fenômeno de duração relativamente curta, que não afetaria o resultado das eleições presidenciais de 2026. De qualquer forma, todavia, parece haver uma redução da confiança acerca da transição política no ano que vem. Isto ocorre no contexto de sinalizações cada vez mais claras de deterioração acentuada das contas públicas daqui para o final de 2026. Mesmo com o retorno do IOF, graças à intervenção ex-machina do STF, a revisão bimestral de julho aponta para déficit virtualmente idêntico, R$ 75 bilhões, ao projetado em maio, dado que a receita mais elevada permitiu ao Tesouro descontingenciar os gastos congelados em maio. Não há, além disso, qualquer iniciativa para conter a escalada dos gastos e o único projeto legislativo que tenta limitar o desequilíbrio fiscal se ampara no aumento de receitas, medidas que o Congresso rejeita e ainda mais agora, após o imbróglio do IOF. Forjou-se certo consenso que o ajuste fiscal, necessário para interromper a elevação contínua da dívida pública, só se concretizará em caso de vitória da oposição no ano que vem. Neste sentido, desenvolvimentos que tornem isto mais difícil também reduzem as chances de um ajuste fiscal. Prêmios de risco se elevam, com reflexo nas taxas de juros e na taxa de câmbio. Assim, o que começa como uma disputa comercial termina por afetar, de maneira enviesada, as expectativas quanto à condução da política econômica e à trajetória fiscal do país. O impacto sobre os mercados não advém, portanto, da redução das exportações ou da perda de competitividade da indústria nacional – embora estes fatores existam – mas, sobretudo, da percepção de que a arquitetura institucional e política brasileira tornou-se ainda mais frágil. A comunicação recente da autoridade monetária sugere crescente desconforto com este ambiente fiscal e político, embora mantenha, ao menos por ora, a narrativa de que os fundamentos da economia seguem sólidos. Trata-se, convenhamos, de uma afirmação cada vez mais difícil de sustentar sem apelar a uma fé quase teológica nos efeitos de reformas outrora prometidas. No plano externo, o episódio também não passou despercebido. A relação com os EUA, já marcada por ambivalências, torna-se ainda mais complexa, pois a tarifação escancara o uso da política comercial como instrumento de pressão política direta. E se este é o novo normal do sistema internacional – um retorno à geopolítica em trajes econômicos –, a posição brasileira é, para dizer o mínimo, desconfortável: sem alianças firmes, sem projetos estratégicos consistentes, e cada vez mais vulnerável a humores e variações táticas alheias ao seu controle. Ao final, portanto, o episódio das tarifas não apenas revelou a fragilidade das exportações brasileiras de manufaturados, mas, sobretudo, expôs uma vulnerabilidade estrutural mais ampla: a incapacidade do país de articular uma resposta minimamente coordenada quando confrontado com choques externos que exigem mais do que discursos inflamados ou paliativos fiscais de curtíssimo prazo. Resta saber se esta combinação de fragilidade econômica e volatilidade política seguirá sendo interpretada como um “risco administrável” ou se, mais cedo do que supomos, deixará de sê-lo. Embora o mercado ainda pareça anestesiado pelas elevadas taxas de juros, quanto mais próximos estivermos das eleições presidenciais, maiores serão as pressões sobre os preços dos ativos financeiros, em particular se os conflitos com os EUA perdurarem para além de 2025.

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