Por Alexandre Schwartsman
“You got to know when to hold ‘em/ Know when to fold ‘em” – Johnny Cash
Exploramos, na edição anterior desta Carta, a tese que o ajuste fiscal ocorreria em 2027, independentemente do resultado da eleição, em função da fragilidade das contas públicas. Nossa conclusão foi – e é! – que tal tese não faz sentido. Caso Lula seja reeleito, não vemos convicção, nem condições políticas, para fazer o necessário. Trata-se de tarefa enorme, que requer firmeza de propósito, foco e apoio popular, nenhum dos quais estará disponível no cenário de reeleição.
Isto dito, as últimas pesquisas, ainda que apontem para a liderança do presidente num provável segundo turno, não são particularmente alvissareiras para o atual mandatário.
Embora vejamos fragilidades óbvias na economia, a verdade é que, para quem sente seus efeitos, ao invés de se digladiar com a tarefa da análise econômica, a situação não está ruim, longe disso. O mercado de trabalho aponta para o menor desemprego da série histórica, consistente com disputa por trabalhadores que leva ao aumento do salário real.
A inflação desacelerou bastante e o componente de alimentos, que tem maior impacto junto à população, ainda mais.
Posto de outra forma, pelos dados puramente econômicos, entendemos que Lula deveria apresentar não só uma aprovação popular considerável, como deveria ser franco favorito no ano que vem. Não é o caso: a desaprovação supera a aprovação e a vantagem de Lula em segundo turno tem caído consistentemente.
Os dados mais recentes, adicionalmente, apontam para perda de fôlego da economia. O PIB no terceiro trimestre cresceu apenas 0,1% e provavelmente o desemprego deverá subir nos próximos meses, ainda que de forma muito suave.
Por outro lado, as pesquisas sugerem que o grande tema da eleição presidencial no ano que vem será a segurança, frente na qual partidos à esquerda têm tradicionalmente mais dificuldade, em particular o PT e o próprio presidente. Ainda que sua afirmação sobre o “traficante ser vítima do usuário” tenha sido, vá lá, corrigida, ela revela uma percepção bastante distorcida sobre a natureza do crime e, mais importante, muito distante da predominante na sociedade brasileira, inclusive – e principalmente – entre os mais pobres, desproporcionalmente expostos a este problema.
A probabilidade, portanto, que algum nome da oposição possa vencer o segundo turno não é desprezível. E, muito embora este tipo de previsão seja sempre muito delicado, eu diria que é mais provável uma vitória da oposição do que a reeleição do presidente.

Não é preciso gênio para antecipar a reação positiva do mercado, que, diga-se de passagem, já se verifica em algum grau. A questão mais relevante neste caso, porém, é saber se faz sentido o otimismo do mercado financeiro caso seja este o caso.
Entendo que sim, mas é bom deixar clara a enormidade da tarefa que caberá ao sucessor de Lula.
Como indicamos no mês passado, o governo precisa fazer um ajuste fiscal da ordem de R$ 250-300 bilhões/ano.
Falamos, portanto, de redução de despesas (já que o aumento da tributação enfrenta forte resistência) permanente. Não em apenas um ano, mas em todos os que seguem.
Note-se, a propósito, que, de acordo com a proposta de Lei Orçamentária para 2026, o total de despesas discricionárias do governo federal (ou seja, aquelas passíveis de corte) é de R$ 227 bilhões, num total de despesas orçadas em R$ 2,6 trilhões (provavelmente mais, dada a tendência a subestimar as despesas no orçamento). Não é viável, assim, fazer o ajuste pela redução (apenas) das despesas discricionárias; é necessário atingir também, e principalmente, as despesas obrigatórias, como previdência, funcionalismo e programas sociais.
Pela natureza, contudo, destas despesas torna-se preciso alterar as regras que determinam a evolução do gasto obrigatório.
Uma lista, não exaustiva, inclui: (a) alterar a regra de salário mínimo, evitando elevação acima da inflação; (b) um nova rodada de reforma previdenciária (elevação da idade de aposentadoria, restrição ao acúmulo de pensões, mudança de regras de aposentadoria rural, alteração das aposentadorias militares, entre outras); (c) redução de acesso ao Benefício de Prestação Continuada; (d) unificação e recalibragem dos programas de assistência social; e (e) reforma administrativa, com redução de supersalários.
Trata-se de agenda extensa e politicamente complexa, como se depreende do parágrafo anterior. A pergunta, óbvia, é se alguém no campo da oposição, mesmo sem encampar formalmente estas propostas durante a campanha (exceção feita a supersalários, tema que promete ser popular), terá condições de fazê-la avançar.
Há, como seria de se esperar, sérias dúvidas sobre a disposição do Congresso em aprovar estes temas. Confesso certo otimismo, ou ao menos, alguma predisposição positiva a respeito. Obviamente parlamentares, como regra, são algo reticentes a pautas como esta.
Todavia, a experiência recente do país, por exemplo, a aprovação do teto de gastos em 2016, ou da reforma previdenciária de 2019, sugere que, se há engajamento do Executivo, o Congresso tende a aprovar as propostas, ainda que com alguma moderação ao longo do caminho.
O essencial, portanto, é a convicção do presidente e de seu círculo mais próximo, expressa em participação ativa para aprovação no Congresso.
Neste sentido, a vitória da oposição em 2026 – se for este o caso – deve ser vista como condição necessária, mas não suficiente, para avançar as reformas requeridas para colocar as contas públicas em trajetória de estabilidade.
De qualquer forma, estamos colocados frente a eventos binários, a saber o resultado da eleição no ano que vem.
A este respeito, ninguém tem uma bola de cristal, quer dizer, uma bola de cristal que efetivamente veja o futuro, mas, se a experiência de alguns anos valer alguma coisa, os mercados serão particularmente voláteis no ano que vem.
Embora acredite que a vitória da oposição seja mais provável do que a reeleição, espero um resultado apertado, como o ocorrido em 2022. Neste contexto, seguimos mantendo nossas carteiras de investimento com um perfil mais defensivo: composto de ativos bastante líquidos que possam ser redirecionados rapidamente em caso de eventos binários.

