Os suspeitos de Sempre, Soluções de Nunca
Por Alexandre Schwartsman1
O cenário internacional segue instável, marcado pelas idas e vindas da política comercial norte-americana. Depois do chamado “Liberation Day”, houve mais recuos do que novas propostas, mas, de fato, não sabemos qual será a configuração final das tarifas e, neste exato momento, não há como sabê-lo. Deixemos então o assunto de lado, por essencial que seja, e tratemos de nos concentrar no aqui (nem tanto no agora) da política econômica nacional.
No mês passado o governo enviou, como requerido por lei, o Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias, a base para a formulação da Lei Orçamentária para 2026, que, por sua vez, deverá ser encaminhada até o final de agosto. Também por obrigação legal, constam do PLDO projeções oficiais referentes ao comportamento das contas públicas no período 2024-26.
Seu exame parece, à primeira vista, auspicioso. As projeções envolvem equilíbrio das contas primarias, isto é, sem incluir o pagamento de juros, em 2026, seguida de superávits equivalentes a aproximadamente 0,5%, 1,0% e 1,5% do PIB até 2029. Ainda não bastaria, é bem que se diga, para estabilizar a dívida pública relativamente ao PIB, mas seria uma trajetória apontando no sentido do equilíbrio fiscal de longo prazo, algo que todos os economistas sérios têm recomendado.
Um olhar mais de perto nas projeções oficiais, contudo, lança dúvidas consideráveis sobre a viabilidade desta trajetória. Não pretendo aborrecer o leitor com detalhes técnicos acerca de quanto o PIB irá efetivamente crescer, nem quanto a arrecadação reagiria a um ritmo de crescimento algo menos otimista do que o suposto pelas autoridades orçamentárias. É bem mais fácil – e bem mais instrutivo – avaliar a viabilidade da evolução orçada da despesa.
Adianto que se trata de evolução inviável e que os próprios números oficiais assim o demonstram, como, a propósito, também a ministra do Planejamento e Orçamento, como veremos.
A trajetória da despesa total é determinada, como se sabe, pela regra do “arcabouço fiscal”, que, em grandes linhas, permite que esta cresça ao ritmo de 2,5% por ano acima da inflação.
Já as despesas ditas obrigatórias – como Previdência, a folha de pagamento, os programas sociais (Bolsa-Família, BPC, etc), bem como os pisos mínimos de educação e saúde – aumentam segundo regras próprias, com o valor do salário-mínimo, demografia, etc. No conjunto da obra, crescem mais rapidamente do que o permitido pelo arcabouço fiscal. Na verdade, segundo as projeções oficiais, repito, crescem a ponto de em 2029 atingirem valor superior ao da despesa total.
Não, você não leu errado; a despesa obrigatória em 2029 se torna maior do que a total, o que só é passível de reconciliação se as despesas não-obrigatórias, conhecidas no jargão como “despesas discricionárias do Executivo” fosse negativas. De fato, ao examinarmos as projeções do governo para as despesas discricionárias do governo em 2029 descobrimos que são negativas em R$ 43 bilhões!
Evidentemente, na prática não existem despesas negativas. Este número na verdade reflete a natureza destas despesas no processo orçamentário: trata-se da conhecida “conta de chegada”, isto é, o valor necessário para certa grandeza atingir um valor designado.

Concretamente, porém, isto significa haver uma inconsistência básica no arcabouço fiscal: o limite de crescimento da despesa total não é suficiente para acomodar a expansão da despesa obrigatória, ao menos não sem mudanças nas regras que governam tais gastos.
Não se deve esperar nenhuma reforma, contudo, no que se refere a essas despesas no futuro imediato. A ministra Simone Tebet afirmou, no que se refere à inviabilidade da redução das despesas discricionárias, que “o próximo presidente da República, seja quem for, tem a missão de aprovar uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) de revisão de gastos”.
Vale dizer, mesmo com pouco mais de um ano e meio até o final do mandato, a ministra, a quem caberia a formulação do orçamento, já “jogou a toalha”, delegando a quem estiver no poder em 2027 a tarefa de lidar com o desequilíbrio fiscal.
Deve ser também óbvio que uma PEC não é a única forma de resolver o dilema (e aqui “resolver” não deve ser lido no sentido de uma solução correta do problema, apenas como um dos resultados possíveis do dilema). O arcabouço pode ser abandonado, ou ainda modificado, excluindo, por exemplo, de seus limites novos conjuntos de despesas, como ocorre, em menor grau, hoje.
É claro que isto traria consequências negativas, sinalizando falta de apetite par conter gastos, exatamente o mesmo problema que enfrentamos hoje, tão precisamente exposto pela fala da ministra.
O resultado, portanto, deve se materializar na expansão persistente da dívida do governo medida como proporção do PIB, isto é, relativamente à criação de riqueza, em última análise o que garante a capacidade de pagamento da dívida.
Não é por outro motivo que as taxas de juros reais, mesmo (ou principalmente) para horizontes mais longos, como 5 ou 10 anos se encontram no atual patamar, ao redor de 7,5% ao ano acima da inflação.
Não se trata de reação ao aperto da política monetária ora em curso que – por mais severo que seja – não irá se entender por prazos tão dilatados. Interpretamos estas taxas como sendo o mínimo requerido para os credores do governo aceitarem o risco de não receberem integralmente o valor emprestado.
Dito de outra forma, a taxa real de juros de longo prazo – que podemos entender como a taxa neutra de juros no país – se encontra em patamar elevadíssimo, comparável apenas ao (des)governo Dilma pela nossa incapacidade de fazer o orçamento caber na capacidade de pagamento do governo federal.
Daí também a necessidade de taxas reais de juros ainda mais elevadas no curto prazo, aí sim influenciadas pela ação do Banco Central, para fazer com que a inflação retorne à trajetória de metas, da qual se desviou significativamente no período mais recente, atingindo cerca de 5,5% em 12 meses, ou mais de 6% ao ano nos últimos 3 ou 4 meses.
Independentemente do cenário externo, nebuloso como é, o jogo no Brasil é jogado no terreno doméstico. Aí não adianta criticar os óbvios erros da política econômica norte-americana; a raiz do problema são os não menos óbvios erros da política econômica nacional.
Não há mundo que corrija isto.