Por Alexandre Schwartsman1
“O oposto de uma verdade profunda pode ser outra verdade profunda.” – Niels Bohr
Quanto mais queijo suíço, mais buracos. Quanto mais buracos, menos queijo. Portanto, quanto mais queijo, menos queijo.
O “paradoxo do queijo suíço” nos ajuda a entender a curiosa dinâmica entre desenvolvimentos político e preços de mercado no Brasil. A Bolsa sobe, o real também (ajudado, é bem verdade, pela forte queda internacional do dólar) mesmo num contexto de severos problemas econômicos: contas fiscais desarranjadas, inflação ainda bem acima da meta, piora das contas externas e certa desaceleração do crescimento.
É difícil apontar um único motivo, como fica claro, por exemplo, no caso da valorização da moeda nacional. Isto dito, resta pouca dúvida que parcela considerável da melhora dos diferentes mercados financeiros ao longo de 2025 reflete uma percepção (ou crença, se preferirem) que, apesar dos problemas correntes, a alternância de poder no ano que vem seria mais provável do que a manutenção do atual grupo.
Isto levaria, segue a história, à mudança da política econômica e, portanto, melhora dos fundamentos à frente, em particular os referentes às finanças federais, assunto já explorado neste espaço. Assim, a perspectiva de vitória da oposição, independentemente do nome preciso, na eleição do ano que vem, ajudar a manter os preços de mercado, dólar inclusive, em patamares “saudáveis”, na falta de melhor palavra.
Ao mesmo tempo, porém, a calmaria no mercado financeiro se reflete positivamente para a administração. O dólar mais barato ajuda a reduzir a inflação (não o suficiente para levá-la à meta tão já, é verdade), enquanto a elevação dos preços das ações barateia o custo de capital das empresas, colaborando para o investimento.
Dito de outra forma, a crença na vitória da oposição aumenta, de certa forma, as chances de reeleição do atual governo, ou seja, quanto mais queijo, menos queijo.
Humor à parte, a dinâmica política costuma ser bem mais complicada do que a imaginação dos operadores de mercado atinge. O que sabemos?
Em primeiro lugar que Lula foi eleito mais pela rejeição a Bolsonaro que seus próprios méritos.
Em segundo, que a margem de vitória de Lula foi inferior a 2 pontos percentuais (50,9% contra 49,1% dos votos válidos) mesmo contra um presidente que sofria de ampla rejeição. Na prática, portanto, um candidato oposicionista em segundo turno necessitaria “virar” menos de 1% dos votos válidos para mandar Lula de volta para casa, contingente que a ciência política apelidou de “eleitor mediano”.
Em terceiro lugar que, apesar da ajuda involuntária de Trump, que deu ao governo a possibilidade de empunhar a bandeira da “soberania nacional”, a aprovação do governo segue em terreno negativo: 51% dos entrevistados pela Quaest desaprovam o governo; 46% aprovam. Já a avaliação positiva de Lula atinge 31% (algo melhor do que há dois ou três meses), mas a negativa se encontra em 38%.

Quarto, embora o desemprego tenha atingido o menor nível da série histórica em agosto, já há sinais, incipientes, é bom que se diga, de perda de fôlego no mercado de trabalho, em particular no que se refere à geração de empregos. A desaceleração da economia deve levar a um aumento modesto do desemprego à frente, o que deve pesar na avaliação do governo.
Vale dizer, o quadro político não é positivo para o governo e, acredito, há uma clara percepção disto dentre as hostes governistas.
Não me parece razoável contar com a inação dos operadores políticos da administração em cenário como o descrito acima. Na verdade, a reação já começou, por exemplo, com a aprovação da isenção de imposto de renda para quem recebe até R$ 5 mil mensais (bem como redução de imposto para a faixa de renda até R$ 7 mil/mês).
Honestamente, sigo muito cético quanto à capacidade das medidas compensatórias impedirem elevação do déficit federal neste caso, mas, deixo claro, o objetivo não é este, mas sim elevar as chances de vitória de Lula nas eleições de 2026.
Também não devemos descartar a possibilidade de novos estímulos à atividade econômica em 2026, por exemplo através de elevação dos valores do Bolsa-Família, a pretexto de compensar a erosão inflacionária de 2023 para cá.
Vale dizer, os riscos, principalmente do lado fiscal, são aparentemente maiores do que os apreçados pelos mercados hoje em dia.
Soma-se a isto a postura do BC em 2026. Tenho que reconhecer que, ao contrário do que esperava, a nova diretoria do BC, em particular seu presidente, adotaram posição mais dura no que se refere à política monetária, não apenas mantendo o compromisso (forward guidance) anunciado ao final de 2024, como também adicionando novas elevações da taxa básica de juros e mantendo uma retórica firme quanto à necessidade de convergência da inflação para a meta, se bem que em horizonte distante (final de 2027 ou começo de 2028).
No entanto, em 2026 o BC será testado no contexto de um ano eleitoral, em que a situação enfrenta todos os problemas acima listados.
Entendo que a pressão para a redução da taxa Selic, de forma a estimular a economia, suba consideravelmente em relação ao observado até agora, quando tipicamente o máximo que se via eram reclamações quanto à suposta “herança maldita” de Roberto Campos Neto.
Fica, portanto, a questão quanto ao compromisso do BC com relação à convergência da inflação para a meta.
Deve, assim, ficar claro que há uma dança entre as dinâmicas política e econômica. A resultante da dança, acredito, é um quadro de renovado estímulo à atividade, seja pela via fiscal (ou parafiscal, por meio dos bancos públicos), seja pela via monetária.
Vale dizer, a relativa calmaria dos mercados financeiros provavelmente não permanecerá ao longo de 2026. Os desenvolvimentos político-eleitorais darão o tom dos mercados no ano que vem.