Por Alexandre Schwartsman1

Talk the talk, but, above all, walk the walk

Sim, a vontade é dar uma volta da vitória depois da pernada do dólar nas últimas semanas, agora parcialmente revertida depois que o presidente teve, relutantemente, que enfiar a proverbial viola no saco e tentar fazer do limão uma limonada, admitindo uma promessa – provavelmente infundada – de corte de quase R$ 26 bilhões em gastos obrigatórios no ano que vem.

A verdade é que as inconsistências de política econômica persistem, apesar das novas promessas.

Não há maiores detalhes acerca dos cortes prometidos. Segundo o ministro da Fazenda, viriam da aplicação de um “pente-fino” nos benefícios sociais, presumivelmente o novo Bolsa-Família, que – como sublinhado por vários especialistas na área- padece de sérios problemas de desenho. Sabe-se, em particular, que o formato do programa, no caso um valor básico fixo independente do tamanho da família, estimula a divisão, para fins de cadastro, de uma família em duas.

Isto dito, o gasto anual do Bolsa-Família é da ordem de R$ 170 bilhões/ano, ou seja, os tais cortes equivaleriam a mais de 15% do programa, proporção que nos parece exagerada, seja em termos de “fraudes”, seja quanto à capacidade de o governo de fato atingir a economia esperada.

O que parece haver de positivo nesta história toda – se tal adjetivo cabe – foi o recuo presidencial, aparentemente convencido que “o poder real” estaria nas mãos do mercado, e não da presidência, de acordo com o relato da reunião de Lula com próceres econômicos do PT, dentre eles o ex-ministro Guido Mantega, organizador do clássico Sexo e Poder (1979, Editora Brasiliense), Luiz Gonzaga Belluzzo, assim como Gabriel Galípolo, diretor de Política Monetária do BC e candidato à presidência da autarquia.

O diagnóstico é obviamente equivocado, mas parece ter convencido o presidente ao menos a fingir que se preocupa com o equilíbrio das contas públicas. É bem menos claro, porém, que o tenham convencido a cessar as catilinárias contra o BC.

Não sou ingênuo a ponto de acreditar que não haja um objetivo político por trás dos ataques ao BC e a seu presidente Roberto Campo Neto. A imprensa relata que pesquisas de opinião sugeriram ao presidente adotar tal postura por conta de uma perspectiva de melhora de sua avaliação dentre a população.

No entanto, seria igualmente ingênuo crer que não haja convicções reais do presidente no que se refere ao papel do BC, em particular a ideia que o próximo presidente da autarquia tenha que ser “mais alinhado” com seu projeto de governo.

Dito de outra forma, o presidente quer sim um BC para chamar de seu, em particular no que se refere à definição da política de juros.

Permanecem, portanto, elevadas as chances que o BC, a partir de 2025, fixe a taxa de juros não mais com o objetivo de manter a inflação próxima à meta de 3% (“para sempre”), mas para estimular a economia e presumivelmente também reduzir o custo (de curto prazo) da dívida pública.

Se for este mesmo o caso, a combinação de inflação mais alta e juros mais baixos reduz a atratividade do real em relação às demais moedas, ou seja, tende a aprofundar a depreciação da moeda nacional, a partir do momento em que a nova administração assuma o BC.

No entanto, como se sabe, o mercado financeiro não irá esperar até que tal movimento se materialize para se posicionar. As expectativas de uma mudança na política de juros, mesmo que apenas para o próximo ano, já têm impactos reais na cotação da moeda hoje.

Assim, quanto mais seguro o mercado estiver acerca da alteração de política futura (quanto maior for a probabilidade atribuída a este evento), tanto maior será o efeito no dólar hoje, e vice-versa.

Neste sentido, a maior ou menor probabilidade deste evento está intrinsicamente ligada à figura de quem for indicado para a presidência do BC para o período 2025-2028. Nomes mais ortodoxos reduzem a chance, nomes mais, digamos, “inovadores” em termos de determinação da taxa de juros elevam tal probabilidade.

Neste espectro, alguns dos nomes ocasionalmente ventilados se alinham mais à área “inovadora”, mas provavelmente apenas para que a real indicação, mesmo de um nome nada ortodoxo pareça palatável.

A mim não resta dúvida que Lula quer mesmo uma “mudança de filosofia” na direção do BC. Sua resistência em apontar um nome num prazo mais curto me parece uma clara indicação a respeito.

À luz da discussão até agora, o que é mais relevante para o futuro do dólar?

Da forma como entendo, as perspectivas de política monetária são mais relevantes do que as perspectivas de política fiscal.

Não me entendam mal: não quero, óbvio, diminuir a importância da política fiscal. Uma trajetória de resultados primários que estabilize a dívida relativamente ao PIB segue como condição necessária à inflação baixa e estável, assim como para uma taxa de câmbio menos depreciada e menos volátil.

Todavia, a relevância da política fiscal é maior em prazos mais longos; em contraste, uma postura errônea de política monetária produz efeitos maiores em prazos mais curtos.

A estabilização do câmbio requer, portanto, duas ordens de ajustes: um fiscal, mas que pode se materializar em prazos mais longos, se as medidas adotadas forem críveis; outro monetário, expresso na reafirmação do compromisso com a meta para a inflação, não por palavras, mas por ações.

Desnecessário dizer, mas – da forma como vemos a questão – as chances destes ajustes se tornarem realidade permanecem baixíssimas e não serão resolvidas apenas com discursos, mas com ações concretas.

Pelo contrário, tanto em ações como em palavras, esperamos manifestações em linha com o observado nas últimas semanas. Pode até ser que o presidente tenha compreendido o alcance (negativo) de suas falas, mas nos parece preso numa armadilha clara: não há como promover o ajuste fiscal requerido sem incorrer em custos políticos muito altos; da mesma forma, a indicação de um nome mais alinhado a Roberto Campos do que à heterodoxia monetária desqualificaria seu discurso contra o juro alto, também com repercussões políticas negativas e a apenas dois anos da eleição.

Para quem só tem martelo, tudo se parece com um prego.

Com o cenário descrito acima, nós reforçamos a recomendação, já antiga na casa, de ter uma posição em USD fora de risco Brasil que represente 30% a 40% da carteira total.

1 Graduado em Administração pela FGV-SP e em Economia pela USP, mestre em Economia pela USP, doutor em Economia pela Universidade da Califórnia em Berkeley. Em 2003 Schwartsman sucedeu a Beny Parnes na Diretoria de Assuntos Internacionais do Banco Central do Brasil, onde permaneceu até 2006. Entre 2006 e 2008, foi economista-chefe para a América Latina do ABN Amro, e de 2008 a 2011 ocupou o mesmo cargo no Grupo Santander Brasil. Atualmente, além de ser sócio-diretor da Schwartsman & Associados Consultoria Econômica, escreve uma coluna semanal para o InfoMoney, além de uma participação semanal na rádio CBN.

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