Por Alexandre Schwartsman1
A economia americana tem dado sinais de desaceleração. É bem verdade que o PIB no segundo trimestre voltou a crescer, depois de queda no primeiro, mas medidas menos voláteis sugerem que o ritmo de crescimento, superava 3% ao ano no biênio 2023-24, se desacelerou para pouco menos de 2% ao ano na primeira metade de 2025.
Mais relevante – e menos controverso – do que os números do PIB, a geração de novos postos de trabalho, que atingiu pouco menos de 200 mil/mês no referido biênio, caiu para 75 mil/mês nos primeiros 8 meses de 2025 e apenas 29 mil/mês nos últimos 3 meses.
Tal desaceleração não é explicada pela redução do emprego no setor público, mas reflete um fenômeno que atinge também o setor privado.
O desemprego também subiu, atingindo 4,3% em agosto, o mais elevado desde outubro de 2021, e mesmo este aumento não captura a extensão da desaceleração econômica. A proporção de pessoas na força de trabalho caiu a partir do segundo trimestre deste ano, de 62,5% para 62,3%, ou seja, menos pessoas buscaram trabalho nos últimos 3-4 meses. Caso a proporção tivesse se mantido estável, a taxa de desemprego em agosto teria atingido 4,8%, certamente não um desastre, mas sinal de um mercado de trabalho bem menos pujante do que nos últimos anos.
A desaceleração é real, apesar dos protestos de Trump e da promessa de Howard Lutnick que “os
números irão melhor quando trocarem a equipe do Bureau of Labor Services”, embora haja controvérsia
quanto à causa. Não sabemos, em particular, se isto resulta das taxas de juros – que o Fed acredita estarem em terreno moderadamente contracionista – ou se a origem seria encontrada na política
econômica errática.
Embora eu me incline mais para a segunda opção, isto não significa que o Fed não possa atuar no sentido contrário, ou seja, reduzindo a taxa de juros de curto prazo, o que provavelmente fará. De fato, a
probabilidade de 3 cortes da taxa de juros até o final de 2025, que era inferior a 8% em seguida à reunião mais recente do FOMC (o comitê de política monetária do Fed), se encontra em patamar superior a 60% enquanto escrevo este relatório.
Neste período o dólar, que já havia enfraquecido desde o início do ano, se desvalorizou adicionalmente, de US$ 1,14/€ para US$ 1,17/€, quase 3%, com reflexos inclusive sobre o preço do dólar no mercado brasileiro de câmbio.
A provável resposta do Fed parece adequada, mas resta um elefante na sala. O efeito das tarifas sobre importação começa a afetar os preços domésticos, fenômeno capturado pelos índices de preços.
A média das medidas de “núcleo” de inflação do CPI (métricas que buscam retirar os efeitos do que parece ser temporário e/ou acidental sobre o índice) revela aceleração de 3,2% para 3,4% entre maio e junho. No caso do PCE, mais relevante por ser o índice utilizado como meta pelo FOMC, a aceleração foi de 2,7% para 2,9%, contra uma meta de 2,0%.

Já as leituras dos preços por atacado, que antecipam movimentos dos preços ao consumidor, vieram também bastante pressionadas, pouco inferiores a 1% em julho.
Vale dizer, não devemos ficar surpresos se os números de inflação ao consumidor nos EUA vierem carregados ao longo do terceiro trimestre.
O que ainda não sabemos, porém, é se esse fenômeno será persistente, sinalizando inflação mais alta, ou temporário, isto é, se dissipando à medida que as tarifas se incorporam aos preços domésticos sem reflexos mais à frente. Esta incerteza, diga-se, paira também sobre o FOMC.
A favor da segunda hipótese, a dissipação dos impactos das tarifas, temos o comportamento das expectativas inflacionárias nos EUA. Diferentes maneiras de medi-las, seja por surveys, seja apelando aos preços de mercado apontam para expectativas ainda bastante próximas à meta de inflação de 2% ao ano, ou seja, convicção que o Fed manterá seu compromisso, processo que limita a chance de repasse do impacto inicial das tarifas para preços de produtos não diretamente afetados por elas, notadamente salários.
A “ancoragem” das expectativas – porque é disso que se trata – é um elemento essencial para manter a inflação sob controle. A relativa facilidade da queda da inflação observada a partir de 2022, sem a necessidade de elevação muito forte do desemprego, é testemunho do papel da “ancoragem” no processo inflacionário.
Desenvolvimentos recentes, porém, ameaçam a capacidade do Fed em convencer o público acerca de
seu compromisso com a inflação na meta. Trump demitiu (ou tentou demitir, não sabemos) uma das
diretoras do Fed, Lisa Cook e se aproveitou da renúncia de outra, Adriana Kugler, para indicar um
economista com ideias heterodoxas para a diretoria do Fed.
Isso tem sido corretamente interpretado como um ataque à independência do Fed para forçar reduções
ainda maiores da taxa de juros, fora dos objetivos oficiais do FOMC.
Se bem-sucedido, esse ataque ao Fed deve ter consequências negativas para a credibilidade da
autoridade monetária, similar àqueles que observamos no Brasil durante o governo Dilma, na Turquia sob Erdogan e mesmo nos EUA, quando Arthur Burns se dobrou aos interesses de Richard
Nixon.
Em todos estes episódios, assim como outros, o final foi igual: a inflação se elevou e sua redução – ao contrário do observado no período 2021-2024 – foi bastante custosa em termos da elevação do desemprego.
Já no que se refere ao dólar, sinais de perda de independência do Fed, por mais que possam redundar em elevação das taxas longas de juros, refletindo os maiores riscos inflacionários, são negativos para a moeda.
Não diria que o mercado de renda fixa e o acionário estão apreçando devidamente esta possibilidade, dado que o mercado de apostas coloca em quase 30% a chance de Lisa Cook ser de fato demitida até o final de 2025, valor que me parece elevado à luz do que está em jogo.
Ao final, entre perda de fôlego da atividade econômica (e do emprego) e os riscos crescentes quanto à estabilidade institucional dos EUA, o futuro da moeda americana está ameaçado. Não vislumbro alternativa viável como moeda de reserva, ao menos não nos próximos anos, mas considero que a
fraqueza do dólar veio para ficar.