Além da imaginação
Por Alexandre Schwartsman1

Tudo o que excede os limites da moderação tem uma base instável
(Alfred Montapert)
O PIB cresceu 1,4% no segundo trimestre relativamente ao primeiro. Comparado ao mesmo período do ano passado o número é ainda mais expressivo: 3,3%, apontando para crescimento na casa de 3% para o ano como um todo. Se confirmado, seria o terceiro ano de expansão do produto neste patamar, depois de quase uma década perdida. Motivo para comemorar?

Da forma como entendo, seria sim caso houvesse indicação de que esta expansão fosse sustentável, isto se não estivesse associada a desequilíbrios de preços (inflação), balança comercial e contas públicas. Não é o caso.

Neste período, a expansão da economia refletiu o comportamento da demanda interna, em particular o consumo. Em que pese certa recuperação do investimento no período mais recente (que, ainda assim, se encontra praticamente no mesmo nível observado no terceiro trimestre de 2022 e 13% abaixo de seu pico histórico em 2013), cerca de 80% do aumento da demanda interna no período resultou do crescimento do consumo das famílias.O restante se divide de forma similar entre o investimento e o consumo do governo.

O impulso para o consumo das famílias tem origem na inédita expansão do gasto federal, em particular as transferências a famílias (previdência, Bolsa Família, Benefício de Prestação Continuada, seguro-desemprego, seguro defeso e assemelhados). Já ajustadas à inflação, tais transferências equivaliam à cerca de R$ 1 trilhão ao final de 2021; nos 12 meses terminados em junho deste ano já haviam atingido mais de R$ 1,3 trilhão.

Como não há receita para bancar tamanho aumento de gastos, a contrapartida tem sido a elevação persistente da dívida pública, que subiu de 72,5% para 80,0% do PIB. Vale dizer, na origem do crescimento da demanda já existe um desequilíbrio fiscal que continua a se manifestar como aumento do endividamento do governo.

Há, por outro lado, indicações que a expansão do produto ocorre em ritmo superior ao que seria sustentável pelas condições de crescimento da oferta de bens e serviços. Observamos, por exemplo, queda persistente do desemprego e elevação também contínua do nível de utilização de capacidade na indústria, em ambos os casos indicações que crescemos não tanto pelo aumento da capacidade produtiva da economia, mas principalmente pela ocupação da ociosidade de trabalhadores e capital.

Isto não é necessariamente um problema quando a ociosidade é grande, como era,
por exemplo, logo depois da pandemia, quando o desemprego chegou a 15%, o maior da história.

É, todavia, uma forma não sustentável de crescimento. Mais cedo, ou mais tarde, a economia começa a bater nos limites de capacidade. Esgotada, digamos, a capacidade ociosa da indústria, importações destes produtos crescem e suas exportações caem. Não por acaso, o déficit comercial da indústria de transformação dobrou de patamar do final do ano passado para o começo do ano, de US$ 2,5 bilhões/mês para US$ 5,0 bilhões/mês.

Mais complicada, todavia, é a exaustão da mão-de-obra disponível. Salários começam a se acelerar. Caso cresçam menos do que a produtividade do trabalho, isto não chega a ser um problema, mas não é o que observamos no país. O aumento do produto por trabalhador é ínfimo, da ordem de 0,3% ao ano nos últimos trimestres, enquanto salários crescem não apenas em ritmo superior, mas mais acelerado a cada trimestre.

O resultado é uma pressão de custos relacionados ao trabalho que pressionam a inflação. Esta pressão é mais forte no segmento de serviços, por ser menos sujeito à concorrência externa, e menos no caso da indústria, onde o repasse – por força da competição internacional – acaba de alguma forma limitado pelo desempenho da moeda. Com a desvalorização recente do real, tem havido repasse algo maior, em contraste com o bom comportamento até o primeiro trimestre deste ano.

Assim, a inflação, que vinha em trajetória de queda, apresenta inflexão e deve ficar próxima ao limite superior da meta para 2024, enquanto expectativas de mercado apontam para valor na casa de 4,0% no ano que vem, bem acima da meta de 3%.

Não é por outra razão que o BC volta a acenar com a possibilidade de elevação das taxas de juros, pouco mais de um ano depois de ter iniciado o ciclo de cortes da Selic, frustrando a esperança de uma taxa de um dígito.

Mesmo que o BC decida pela manutenção da Selic no atual patamar, as taxas reais de juros determinadas pelo mercado já têm se elevado, de patamares próximos a 5,5% ao ano no final de 2023 e começo de 2024 para perto de 6,5% ao ano agora no terceiro trimestre, em contraste com as taxas reais de juros nos EUA, que caíram de pouco mais de 2% ao ano para algo como 1,7% em agosto e setembro.

Dito de outra forma, o crescimento além do potencial se traduz em pressões inflacionárias que requerem taxas de juros locais mais elevadas, apesar da redução dos juros internacionais.

A alternativa ao juro mais alto seria a redução dos gastos do governo, que levaria ao desaquecimento da economia, mas, como sabemos, não é uma opção do atual governo, que aparentemente pretende seguir estimulando o consumo para melhorar suas chances nas eleições de 2026.

A força do PIB, portanto, se origina no desequilíbrio fiscal e implica também desequilíbrios externos (menos relevantes) e inflacionários (mais relevantes). Trata-se, como dissemos, de expansão não sustentável, repetindo, em certa medida, a experiência da Nova Matriz Econômica entre 2007 e 2016.

Sabemos como aquilo terminou, mas sabemos também que foi um processo de degradação relativamente lenta, que apenas se precipitou nos seus anos finais.

A redução dos juros internacionais pode dar certo fôlego à coisa, mas, sem correção de rota, em particular no que diz respeito ao gasto público, os desequilíbrios continuarão a se acentuar.

A estabilidade tem se escorado na política monetária. Se, porém, a nova direção do BC seguir o rumo tomado por Alexandre Tombini, submetendo suas decisões às exigências do Executivo, mesmo este pilar acabará se esfacelando. Aqui na Portogallo Family Office, continuamos com a estratégia CDI Plus que se beneficia dos juros altos e monitoramos o momento de começar a investir em títulos atrelados à inflação, IPCA Plus.

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