Se você não sabe onde quer ir, qualquer caminho serve.
Lewis Carroll
Na cidade de Hamelin aconteceu algo inédito: uma manhã, quando seus habitantes saíram de suas casas, encontraram as ruas invadidas por milhares de ratos que iam devorando as plantações e a comida de suas despensas.
O controle dos roedores era impossível, então, os homens ricos da cidade decidiram fazer uma proposta: eles pagariam cem moedas de ouro a quem livrasse a cidade dos ratos.
Pouco depois se apresentou a eles um flautista e lhes disse:
-A recompensa será minha.
Enquanto andava por Hemelin, o flautista tocava uma melodia maravilhosa que encantava aos ratos, que iam saindo de seus esconderijos e seguiam hipnotizados os passos do flautista.
Então levou os ratos a um rio muito distante da cidade e todos se afogaram.
Os hamelineses, ao se verem livres dos ratos, respiraram aliviados. Voltaram a suas atividades, e de tão contente que estavam eles organizaram uma grande festa para celebrar o final feliz, comemorando até altas horas da noite.
No dia seguinte, o flautista reclamou as cem moedas de ouro prometidas como recompensa. Porém esses, liberados de seu problema e cegos por sua avareza, reclamaram:
– Saia de nossa cidade! Ou acaso acreditas que te pagaremos tanto ouro por tão pouca coisa como tocar a flauta?
Furioso pela avareza e ingratidão dos hamelineses, o flautista, da mesma forma que fizera no dia anterior, tocou uma doce melodia outra vez, insistentemente.
Mas desta vez não foram os ratos que seguiram a doce melodia, mas as crianças da cidade.
De mãos dadas e sorridentes, formavam uma grande fileira, surda aos pedidos e gritos de seus pais que, em vão tentavam impedir que seguissem o flautista.
Tomados pelo desespero, foram em busca das crianças, porém não encontraram nenhuma.
Então o flautista voltou à cidade, e disseram a ele:
– Traga nossos filhos de volta! Prometemos pagar tudo o que devemos a você!
O flautista concordou, mas com a condição de que nenhum habitante da cidade voltaria a quebrar uma promessa.
Todos concordaram e assim o flautista tocando outra melodia, trouxe as crianças de volta a Hamelin e depois daquele dia nunca mais nenhuma pessoa da cidade descumpriu uma promessa.
Da mesma forma que o flautista precisou intervir com uma solução para a cidade sob uma condição, assim agem os Bancos Centrais mundiais.
Desde as recentes crises, vemos a atuação dos Bancos Centrais como o flautista, ou seja, desde que não haja moral hazard (cometer o mesmo erro que levou a necessidade do socorro a instituição).
A injeção de capital feita pelo Federal Reserve, a recompra de títulos pelo Banco Central Europeu e o Corona Voucher por aqui foram de grande importância, mas não se engane.
Apesar dos juros baixos no mundo inteiro (com exceção de alguns países, como Argentina e Venezuela), a inflação ameaça, em razão da retomada das atividades e alta liquidez direcionada principalmente ao consumo.
O que aprendemos com a crise de 2008 é que a forte recuperação das economias foi interrompida assim que a inflação começou a subir assim como os juros como instrumento de controle, então sabemos que o “flautista” voltará para cobrar seus recursos.
No mês de outubro, o FED indicou que novamente iria injetar mais um pacote de estímulo na economia norte-americana. Como isso não ocorreu, houve uma grande realização do mercado no último dia do mês.
Mais uma lição que podemos aprender e replicar com as fortes oscilações anteriores, é que os ruídos de mercado influenciam no curto prazo, mas os fundamentos precisam ser o principal fator de escolha de um ativo.
Sobre os fundamentos macroeconômicos, a continuada incerteza a respeito da situação fiscal brasileira fez com que as ações, que estavam com uma performance positiva (Ibovespa chegou a subir 7,7% no mês) até a última semana do mês, acompanhassem a queda dos mercados globais com as notícias de uma evidente segunda onda de COVID-19 na Europa, em conjunto com a piora da situação de casos, internações e óbitos nos EUA.
A perspectiva é que haja novamente uma injeção de capital pelos bancos centrais e que isso anime o mercado, mas não será pelo som dos flautistas que iremos alocar o nosso portfólio. Palavra dada.
Por Ricardo Veles, CIO
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