Entrando na dança
Por Alexandre Schwartsman1

Ter fé é dançar na beira do abismo – Nietzche

Há tempos, tempos apontado as inconsistências da política econômica do governo, com ênfase na questão das contas públicas. A expansão dos gastos promovida pela atual administração só encontra paralelo com a observada no período 2020-21. Medidas a preços de setembro de 2024, os gastos federais na pandemia cresceram R$ 327,7 bilhões (de dezembro de 2019 a junho de 2021); já no governo Lula aumentaram R$ R$ 355,5 bilhões (de dezembro de 2022 a junho de 2024).

Há duas diferenças cruciais, porém.

Em primeiro lugar, naquele momento vivíamos em plena pandemia, com a economia paralisada e desemprego na casa de 15% de acordo com a medida habitual (mais de 20% se corrigirmos pela saída voluntária da força de trabalho), enquanto hoje o desemprego se encontra no menor nível da série histórica iniciada em 2012. Mesmo na virada de 2022 para 2023, o desemprego já rodeava 8%, bem menor que no pior momento da pandemia.

Em segundo lugar, a expansão ligada à crise sanitária foi temporária, fundamentalmente ligada à criação do auxílio-emergencial, reduzido em 2021 e extinto pouco depois. Agora, em contraste, reflete o aumento de despesas permanentes, como benefícios previdenciários, Bolsa-Família,
BPC, abono salarial etc. Este gênio, uma vez fora da garrafa, a ela não retorna.

E, no entanto, o ajuste fiscal requer precisamente colocar o gênio de volta nela. Neste sentido, o pacote anunciado depois de muitas idas e vindas no final de novembro foi um completo fiasco. Embora contenha promessas de cortes de gastos que, da forma como foram vendidos, sugiram redução de R$ 70 bilhões em 2025 e 2026, a realidade é bem mais complicada; e oposta.

Os supostos “cortes” não significam redução das despesas com relação os níveis que devem atingir em 2024, algo como R$ 2,234 trilhões, mas com relação aos níveis que se estimam ser atingidos nos próximos anos. No caso, de acordo com o Projeto de Lei Orçamentária para 2025, as despesas, sem as medidas propostas pelo governo, chegariam a R$ 2,389 trilhões; com as medidas, supostamente R$ 2,359 trilhões e uma conta similar para 2026.

Na prática, portanto, as despesas continuariam crescendo e o governo não atingiria superávits primários, certamente não no tamanho necessário para estabilizar a dívida relativamente ao PIB.

As medidas, se aprovadas, implicariam a bem da verdade alguma redução da rigidez orçamentária, mas que seria provavelmente usada para aumentar os gastos discricionários, não para melhorar o saldo das contas públicas.

Isto dito, não é óbvio que o governo obterá do Congresso tudo o que quer. O pacote prevê, por exemplo, que parlamentares abram mão de algo como R$ 7 bilhões de emendas, o que muito possivelmente não ocorrerá.

Um conjunto de medidas sem maiores impactos sobre a despesa não apenas encontrou resistências dentro do governo, como causou considerável desconforto a seu comando político.

Isto motivou uma proposta de minirreforma do Imposto de Renda Pessoa Física (IRPF), segundo a qual contribuintes que recebem até R$ 5 mil/mês ficariam isentos, enquanto o IRPF sobre faixas de renda mais elevada seria elevado.

A perda de receita permanente associada ao aumento da isenção custaria, por baixo, R$ 60 bilhões/ano.

Por outro lado, não se sabe exatamente o que seria feito para elevar o IRPF das camadas de renda mais alta, provavelmente reflexo do improviso da proposta, apensada no último momento ao pacote para “dourar a pílula”, bem como criar uma “narrativa” de conflito que moderasse o impacto sobre a avaliação política das medidas, mesmo que modestíssimas.

Concretamente o Congresso deve deixar a minirreforma do IRPF na geladeira, talvez retomando o tema mais à frente, e com boas chances de abandoná-lo ao longo do caminho.

Mesmo assim, o tema do IRPF revela a falta de vontade do governo para incorrer nos custos de promover um verdadeiro ajuste fiscal. Voltando ao início de nossa discussão, fica hoje claro que a administração entrou com o pé errado na dança ao promover a expansão fiscal recorde no início do mandato presidencial, assim como é óbvio que – a menos de dois anos da eleição presidencial – não há o menor apetite por medidas que reduzam benefícios e possam reduzir o crescimento do consumo, principal motor da expansão da produção nos últimos 7 trimestres.

Assim, a política fiscal, embora menos expansionista do que neste período, deve seguir impulsionando o consumo, mesmo com a economia em pleno emprego e a dívida pública deve continuar se elevando relativamente ao PIB.

O resultado desta combinação é juro real mais alto, dólar mais caro e inflação mais alta.

Deve ficar, portanto, claro que há também custos políticos consideráveis na opção governamental, embora não saibamos exatamente se há este entendimento na administração, dado que o viés ideológico a favor do Estado grande e, portanto, do gasto elevado é marca registrada do PT (lembrem-se do mote “gasto é vida” na gestão Dilma, cujos paralelos são visíveis.

Isto prenuncia um período turbulento, dado que o governo deve fazer de tudo, exceto
o correto, para lidar com as consequências de suas ações, notadamente no campo
da inflação e, de forma relacionada, no dólar.

O BC se torna, neste contexto, o principal fiador da estabilidade. Contudo, com a troca do comando da autarquia, há riscos quanto à sua atuação. Em situação algo similar (mas, notamos, sem autonomia formal do Banco), Alexandre Tombini cedeu às pressões do Executivo, tomando decisões equivocadas quanto à política monetária (em particular o “cavalo de pau” de 2011) e promovendo enorme colocação de swaps cambiais para tentar, inutilmente, diga-se, conter o dólar.

Dado o histórico do novo presidente do BC, bem como suas ligações com economistas heterodoxos, não podemos descartar a possibilidade de reações similares em 2025. Assim, seus primeiros passos no comando do BC precisam ser analisados com lupa e aqui não nos referimos apenas às primeiras reuniões do Copom no ano que vem, mas o momento – ainda por ser determinado – em que terá que decidir qual o lado deverá tomar: seu mandato legal para trazer a inflação para a meta, ou as conveniências política do atual governo em sua busca pela reeleição.

Não há, assim, perspectiva de recuo significativo do dólar, nem das taxas reais de juros, enquanto o clima para ativos de risco deve permanecer carregado, combinação que já serve de norte à estratégia de investimentos com perfil mais conservador.

Continuamos com a estratégia CDI PLUS para as carteiras domésticas e com a recomendação de alocar de 30% a 40% das carteiras em moeda forte, USD, fora de risco Brasil.

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