Os rentistas agradecem
Por Alexandre Schwartsman1

Without reflection, we go blindly on our way, creating more unintended consequences, and failing to achieve anything useful” (Margaret J. Wheatley)

O Banco Central voltou a elevar a meta para a taxa básica de juros, a Selic, pouco mais de um ano depois de haver iniciado um ciclo de redução que se encerrou bem antes do que se esperava em agosto de 2023. Naquele momento, a expectativas, ao menos entre os consultados, era de queda da Selic até 9% ao ano ao final de 2024, seguida de redução mais gradual em 2025.

O que deu errado? A resposta a esta pergunta ultrapassa a curiosidade acadêmica, pois traz implicações importantes sobre o que esperar no início do ciclo de elevação de juros.

Para começar, deve ficar claro que não foi o ambiente externo. Embora o mercado de renda fixa norte-americano tenha passado por volatilidade considerável no período, oscilando entre um cenário de vários cortes da Fed Funds rate com início em março deste ano (!) e um de quase estabilidade da taxa de juros, a verdade é que foi geralmente benigno, em particular para países emergentes.

Taxas de juros mais longas, como a de 10 anos, flutuaram, mas jamais voltaram aos patamares atingidos em novembro de 2023, próximos a 5% ao ano. O dólar, medido contra o euro, que também passou por certa volatilidade, permaneceu longe de seus melhores momentos em 2022, quando chegou a paridade ficou abaixo de 1:1, ou seja, um dólar mais forte do que o euro.

E, apesar de visões mais negativas sobre a economia americana, que insistiam no risco de recessão iminente, o cenário que acabou se materializando, pelo menos até agora, aponta para um “pouso suave”: a inflação caiu com ajuste moderado do mercado de trabalho. Os números mais recentes, incluindo dados até outubro, mostram elevação modesta da taxa de desemprego e criação mais lenta de postos de trabalho, enquanto o PIB cresce a taxas decentes.

É bem verdade que, no caso da economia europeia, e mesmo da chinesa, os resultados não foram tão róseos, mas, ainda assim, o mundo, de maneira geral, nos mostrou uma rara combinação de redução da inflação sem grandes impactos no que se refere à atividade econômica, praticamente o sonho de qualquer banqueiro central, seja diretamente envolvido no processo, como o Federal Reserve ou o BCE, seja diretamente afetado por ele, como o Banco Central do Brasil.

Aqui a dinâmica foi outra.

Dado o desempenho do dólar contra o euro, acima notado, a performance do real foi particularmente pobre, bem pior do que a registrada pela mediana das moedas de países emergentes, que usamos como uma medida do que poderíamos ter sido. Desde o fim do primeiro trimestre o dólar se consolidou em patamares tipicamente superiores a R$ 5,30 desde então, chegando a flertar com níveis próximos a R$ 5,80. Por tudo que foi dito acima, deve ficar claro que a força da moeda americana contra o real não se deve a fatores externos, mas a domésticos. Apenas este desenvolvimento já afetou a dinâmica inflacionária. Preços industriais, seja no atacado, seja no varejo, que ajudavam a manter a inflação relativamente baixa, pararam de contribuir neste sentido. Pelo contrário, passaram a atuar na direção de pressionar a inflação para cima.

Ainda assim, o desempenho do dólar, não parece ter sido o principal fator que levou o BC a, num primeiro instante, interromper o ciclo de queda da Selic para, num segundo momento, virar a mão. Os efeitos do dólar sobre a inflação não são pequenos, mas se concentram num horizonte mais curto, com impactos secundários sobre a decisão do Copom.

Como ficou nítido na comunicação do BC após a notícia da elevação (moderada) da taxa de juros, a preocupação maior diz respeito ao possível, para não dizer provável, sobreaquecimento da economia.

Nosso mercado de trabalho, ao contrário do americano, tem se mostrado mais apertado a cada nova divulgação. O desemprego, no período de três meses até agosto, registrou o nível mais baixo da história, de volta ao registrado 10 anos atrás, atingindo 6,7%. Consequentemente, salários têm crescido mais rapidamente do que a produtividade, levando a pressões sobre preços, em especial aqueles menos submetidos à concorrência internacional (serviços).

Em linha com isto, o BC voltou a rever suas estimativas para o “hiato de produto”, isto é, a diferença entre o PIB observado e o que se imagina ser o PIB “potencial” (o nível que não geraria pressões sobre a inflação), concluído que o observado se encontra razoavelmente acima do potencial (0,5% do PIB), portanto implicando inflação em alta.

Curiosamente, a economia parece sobreaquecer mesmo com uma taxa real de juros ainda muito alta.

Neste caso, embora o BC mantenha o tom diplomático sobre o assunto, a responsabilidade é posta aos pés da política fiscal.

O resultado das contas públicas não só tem ficado aquém do prometido – como ficou claro na revisão orçamentária mais recente – como tem gradativamente perdido capacidade de medir corretamente o impacto sobre o consumo por conta do retorno da contabilidade criativa, ainda que amparada em medidas legais (por medo de ser invocada em processo de “impeachment”, como em 2026). Aliás, o mesmo fenômeno tem desempenhado papel central também no que se refere à força doméstica do dólar.

Por ambos os canais – mas mais forte no caso do primeiro – o crescimento do gasto tem pressionado a inflação. O orçamento para 2025 requenta as mesmas promessas feitas para 2024, provavelmente com os mesmos resultados pífios.

As crescentes transferências às famílias (pensões e aposentadorias do INSS, o Benefício de Prestação Continuada, BPC, o Bolsa-Família vitaminado, abono salarial, seguro-desemprego, seguro defeso, entre outras) sustentam o consumo e impedem a queda mais forte da popularidade governamental. Pressionam, porém, os preços, não apenas pelo impulso à demanda interna, mas – ao que parece – também por criar incentivos para manter fração da população fora do mercado de trabalho, contribuindo para o aumento do salário acima da produtividade.

Moral da história: os desacertos da política de gastos implicam juros mais altos. Como não há correção de rumos à vista, se esperam novas rodadas de aumento de juros. O governo diz querer “colocar o pobre no orçamento”, mas o faz dando – com ou sem intenção pouco importa – um enorme presente para os “rentistas”.

Aqui na Portogallo Family Office, continuamos investidos na estratégia CDI Plus para nos beneficiar das taxas de juros elevadas.

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